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Não distante dali, uma outra situação, bem diferente da de Elril, passaria despercebida pela historia, não fosse o fato do destino intervir.
A sala era quadrada, apertada e baixa. Rachaduras nas paredes, estas de pedra polida, deixavam escorrer uma umidade crescente. O chão, de terra batida e coberto de feno, não permitia um bom descanso. Era uma atmosfera áspera e de frio concentrado. Nem de longe o cheiro era melhor. No canto direito, entre coberto por feno sujo, encontrava-se um buraco, feito a mão, para ser o final dos dejetos humano; um pinico em forma de buraco. Ora, do que reclamar? De certa forma era melhor, um paraíso fechado e estático, limpo a sua moda, seguro em sua estrutura. Nesta sala de segredos sombrios, a escuridão era a aliada. Ela sempre estava ali, nunca saia; recuava se passava o calor de uma tocha ou o brilho de um lampião, mas sempre voltava a ser densa, palpável, até mesmo, nos últimos devaneios, comestível. Mas era algo que lembrava ao velho Figvel sua condição deplorável. Ou o que o aguardava.
O brilho dos olhos, secos e sem vida, esvaia-se na escuridão do aposento. Era um jogo lento, fatídico, enlouquecedor. Perdido nos sonhos, com visões demoníacas e clarezas perfeitas, o velho Figvel Treves praguejava contra sua prisão de sonhos, consolidada em pedra. Bastaria um encanto, um pouco de Karma e alguns minutos para que saísse como bem quisesse e já estaria longe quando descem falta dele. A mão, tão enverrugada quanto espinhos em um peixe, tateou em vão o chão úmido e deparou-se com o feno. Feno. Só feno. Seus dedos fecharam esmagando-os. Reuniu pouca força e lanço-os ao alto, soprando à sala seu encanto decorado: “de palha escura, de couro duro, que Força venha para derrubar o muro”. De nada adiantaria enquanto suas mãos estivessem presas por algemas mágicas.
Balançando a cabeça, Figvel retornou à sua prisão. É estranho quando se pensa nos erros da juventude e mesmo que agora, com o passar dos anos, fosse possível concertá-los, o velho e dolorido Figvel não o faria. Talvez pudesse dizer a verdade...
— Ainda está aí velho? Não quer transforma-se em nevoa e sair voando, hahahaha... Foi a gelidez da voz grave do guarda que o fez recobra-se. Sabia Figvel, que no local em que estava, centenas de guardas encontravam-se postados, armados e com ordens de penetra-lhe o ventre com o frio aço de uma lâmina se tentasse fugir. Também sabia que eles não hesitariam.
Uma luz surgiu quando uma minúscula janela gradeada abriu-se na porta sólida de ferro mágico. A porta, larga e firme, mostrava do lado interno sua sentença: ninguém saia. O que preocupava Figvel em relação à porta, não era o fato de ser de ferro, e sim de possuir tantas runas de proteção quanto o mar tinha de sal. Seus poderes, pelo menos ali, não serviriam para escapar-lhe, fato que o guarda, do outro lado, sempre o lembrava com uma gargalhada.
Um rosto gordo, sem capacete, apareceu e o guarda, um homem grande, robusto, usando uma pesada armadura de placas de metal fez sua voz ecoar pela sala:
— Limpe-se, escove os cabelos e vista seu melhor robe, ha, ha, ha, ha,, você vai ter visita hoje. Tão inesperado quando abrira, a janela fechou-se, deixando intrigado o velho Figvel. Quem seria sua visita e o que desejaria? Entregou-se, mais uma vez, à escuridão.
***
Tinha mais que 40 verões, mas sua beleza era a de uma jovem de 20. A princesa Elira, ótima nos dilemas da corte, mantinha o gosto pela justiça desde mesmo tornar-se esposa do príncipe Jorge II. Era um ato que atraia tanto pobres quanto condenados a pedir sua ajuda. E era uma ajuda valiosa.
Certa vez, uma de suas criadas, trouxe um pedido. Querel, assim era seu nome, servia a princesa Elira desde que nascera e agradecera por essa sorte, pois desfrutava de grandes privilégios. Acontece que Querel tinha um amante, Vitori, um rapaz loiro de pele clara, olhos azuis e músculos de rocha. E este, por sua vez, tinha seu pai ainda vivo, Bruneus. Um homem do campo, ativo, rebelde ao seu modo, Bruneus era impaciente. Certa vez decidiu cear uma boa carne. Ignorando os avisos que recebera, o imprudente Bruneus adentrou na floresta real. Eram as terras de caça do soberano e este mesmo decretara que ninguém, a não ser ele e quem ele desejasse, poderia usufruir seus animais. E o nome de Bruneus não estava na lista. Mas isso não o impediu de cometer tal infração. Avistando um formoso cervo, vigoroso animal de pelugem clara, vagando solitário pelas escarpas de folhagem, disparou sua flecha, acertando-o com ínfima precisão. O animal sentiu o fel escorrer pelo ferimento. Em seguida tombou aos espasmos, enquanto seu assassino, que nem fúria ou remorso transparecia, aproxima-se com um sorriso. No momento que ele amarrou o fardo de carne, Bruneus sentiu o chão tremer quanto viu, na colina, uma tropa de cavalaria. Era a guarda do rei que vasculhava a área. Não houve escapatória, e teve de se render. Bruneus foi levado preso, amarrado e conduzido a pé pela estrada empoeirada de perpétuos seis quilômetros. Mesmo exausto da árdua empreitada pela desobediência, Bruneus foi conduzido até a sede da guarda e lá é julgado e condenado a penosos meses de reclusão. Era demais para Vitori ver seu pai sofrer por um mero cervo, o que afetava a linda Querel. Foi mais um apelo do que um pedido à princesa e esta, em sua benevolência, cedeu e proveu Bruneus de uma nova chance, libertando-o dois dias após ser preso.
Outra deve ser citada quando falamos da boa vontade de Elira. Havia ali na cidade, vários membros da corte. Lordes, duques, barões e tantos mais que faziam seus votos e professavam suas intenções ao rei. No aniversário de 56 verões de Lorde Avriom de Calinior, um homem cujas batalhas o tornara ríspido e insolúvel, um banquete fez reunir os senhores mais ricos da corte. Avareza e arrogância eram sempre vistas em Lorde Calinior. Na noite do banquete, na frente de seus pomposos convidados, um menino servo, não mais que 11 verões, quebrou, por mero descuido, uma valiosa bandeja de cristal. No ato, Lorde Calinior mandou que o menino fosse despido e surrado e que não mais comesse a noite durante o resto da sua vida. Perplexos por tal crueldade, os convidados encheram o salão de cochichos. Lorde Calinior sabia que sua decisão seria comentada por dias à frente, mas não sabia que a mão, ou melhor, os lábios da princesa Elira, que ali se encontrava na companhia de seu estimado marido, interviriam de forma drástica na sua decisão, humilhando-o nas palavras do Homem cujos desejos eram ordens. Aos voláteis convidados, a voz do príncipe Jorge II, Deus-Feito-Homem, ecoou nas paredes do salão, e estas foram:
“Neste reino, enquanto vivos eu e minha esposa formos, que seja feita justiça e que os homens e mulheres saibam valorizar os jovens, pois nós não viemos ao mundo adultos e soberbos”. O príncipe deixou transparecer mais emoção do que desejava, deixando mais atônitos os convidados e um perplexo Lorde Calinior. A princesa Elira, a mão em concha na orelha de seu marido, fez a justiça descer como uma lança naquela noite de árduas surpresas.
O príncipe continuou:
“Que todas as bandejas vítreas ou cristalinas de Lorde Avriom sejam quebradas e que seus servos menores sejam libertos. Que isso sirva de lição para o mau uso de vossa autoridade”. O banquete havia terminado de forma cujas lembranças eram um punhal no coração do orgulhoso Lorde Calinior. Mal sabia o príncipe Jorge II que mais um inimigo fora conquistado e que tal ser influiria muito no futuro.
São tantas as histórias colecionadas por Elira durante seu reinado que pergaminhos iriam feitos livros e meros parágrafos iriam se invertidos em longas historias. É foi assim o verão da princesa Elira, onde nome repercutiu por um feito cuja sentença de tal crime cometido, em suma decisão, é a morte. E talvez seja pouco. Um ato que Lorde Calinior apreciará com uma dose de vinho e vilania.
Voltando ao sinuoso aposento perfumado por botões-de-fada, Elril espera ansioso pelas próximas palavras da mulher cuja índole é de uma sacerdotisa, pois é justa e de grande discernimento.
Refal, postado até agora na lateral da porta, dirigiu-se à princesa Elira e falou em uma voz baixa cujos ouvidos de Elril não detectaram os sons. Seis pares de olhos fitavam o envergonhado convidado, deixando-o afundar-se em especulações sobre sua cortesia. Vertendo ao seu lugar, a parte lateral da porta, Refal deixou que sua princesa, a amável Elira, falasse para seu convidado.
— Não imaginava que Servilis enviaria alguém tão jovem, pensei que se não seria ele fosse um de mais experiência. O doce encanto ao redor da princesa fora quebrado. Sua beleza manteve-se, mas uma atmosfera diferente envolveu os presentes, afetando mais o perplexo Elril do que os já acostumados servos.
— De fato, linda princesa. Nem eu declaro o motivo de Servilis ter me escolhido, mas julgo que foi Selimom e não Servilis quem me escolheu. Podeis dizer, princesa, e farei o que me mandas. Em nova reverência, Elril palavreou como se para encantar as servas que o fitavam na sala e não a própria princesa. Era sufocante ficar ali agora, pois o ar estava insensato por tantos botões-de-fada. Esperou que alguém falasse.
A princesa Elira tornou a falar.
— Quero, mais uma vez, que a justiça seja feita. Levantando-se de seu confortável Tricílico a princesa Elira dirigiu-se à porta. Uma frenética correria de suas servas fez Elril recuar, devagar, até onde se encontrava Refal.
— Acompanhe-me, Elril de Selimom. Quero que vejas algo. Falou a princesa Elira.
Refal fez gesto para que este o seguisse e Elril, novamente, viu os olhos de abutre envolvê-lo como um peixe a uma gorda minhoca.
voltaram ao corredor. Uma procissão de mulheres quase nuas, suas curvas esbanjando desejos, escoltando uma dama, uma mulher cujos atos são sempre de justiça e compaixão pelo povo. Duas servas à frente, a princesa Elira em seguida, quatro outras depois, Refal e Elril de Selimom logo atrás.
O trajeto prosseguiu por metros adentro, contornando quadros de antigos reis, tapeçarias de batalhas sangrentas, escudos com brasões, armaduras decorativas, bustos da família real e tantos outros caprichos que se passaria ciclos do sol antes que pudessem ser admirados, tudo sem falar das portas e salões decorados. Nada passava sem um toque de beleza
Para Elril, o luxo nunca viera. A arte era abstrata. As músicas eram longos versos poéticos e líricos divinos. A vaidade, porém, era recatada ao seu cabelo, longo, liso e profundo em um tom escuro. Desde criança, Elril soubera que fora deixado no Templo de Selimom. Era um tempo em que Servilis, O Enviado, ainda não habitava por estas partes e o atual rei, Jorge I, era um príncipe casado com uma mulher chamada Emen. Como havia de ser, não existia registros ou informações de como viera parar ali. Sabia apenas, que fora encontrado à noite, enrolado em um lençol de seda vermelha com um único objeto em suas posses: um anel de prata com um cão de Jade, a rara jóia do deserto, cravejado,. O Templo abriu-lhe os braços e o pequeno bebê enrolado em seda vermelha, recebeu o nome na língua élfica: Elril, que significa “alma nobre”. Assim acostumado não rejeitou o tal nome, e, quando aprendeu a escrevê-lo, não tardou a gostar tanto quanto do próprio Templo, sua casa. Enquanto crescia, Elril foi instruído nas artes clericais do Templo. Deixou levar-se pela sinfonia do divino, o que repercutiu em sua visão do mundo.
O corredor, esbanjando ricas tapeçarias de um marrom mordaz, serpenteava pelo Castelo das Brumas, Elril de Selimom seguia na procissão da princesa Elira.
CAPÍTULO 3
Verbetes que fazem referência
Traição e Magia,
CAPÍTULO 1