Bem-vindo Convidado Pesquisar | Discussões (ativas) | Entrar | Registrar

Responder
Romance - O Segredo de Gama (título provisório)
#1 Claudiney Martins Enviado : 17/06/20 22:39
Jogador: Claudiney Martins
EF:
EH:
Karma:
Estou criando este tópico para ir apresentado aos poucos o romance que quero escrever. Ele servirá como um compromisso, assim como um incentivador para que leve a tarefa até ao final.

A história acontece em meados de 1400 em uma Eredra ocupada por volins, bankdis e demônios. Todos governados por Antredom, um dos príncipes demônios trazidos a Tagmar pela Pedra Negra. O romance se baseará nos pequenos trechos de histórias descritas nos livros dos Reinos e de Ambientação, além do livro dos Demônios sugerido pelo Samuel. Pretendo que a história fique perfeitamente casada com a grande bibliografia do projeto. Para aqueles que acompanharem, peço a gentileza de avisar se algo sair fora dela.

Breve a primeira parte.
Claudiney Martins

Colaborador de Tagmar desde 2005
Escritor da Série Nova Odisseia Humana (FC)
https://novaodisseia.wixsite.com/humana
#2 Marcelo_Rodrigues Enviado : 18/06/20 07:38
Jogador: Marcelo_Rodrigues
EF:
EH:
Karma:
Aguardamos ansiosos! Applause Applause Applause
#3 Claudiney Martins Enviado : 19/06/20 00:02
Jogador: Claudiney Martins
EF:
EH:
Karma:
Obrigado Marcelo.

Alguém sabe me dizer qual é a expectativa de vida de um anão em Tagmar?
Claudiney Martins

Colaborador de Tagmar desde 2005
Escritor da Série Nova Odisseia Humana (FC)
https://novaodisseia.wixsite.com/humana
#4 Marcelo_Rodrigues Enviado : 20/06/20 09:34
Jogador: Marcelo_Rodrigues
EF:
EH:
Karma:
400 anos
#5 Claudiney Martins Enviado : 21/06/20 22:48
Jogador: Claudiney Martins
EF:
EH:
Karma:
CAPÍTULO 1 de O SEGREDO DE GAMA.

[Comentários são bem vindos]

1. Hogstrom

A chuva não dava trégua a quase dois dias. Começou a cair na hora que colocou os pés fora de Efrim e não parou até aquele momento. Não era torrencial, mas o suficiente para deixa-lo totalmente encharcado e transformar as imundas ruas de Itéria num lamaçal traiçoeiro. A praça que servia de mercado, lixeira coletiva e local de execução virara um mar de lama e só não estava pior que os dias de sol quente quando o fedor de todo tipo de detrito engolia tudo.
Ainda assim estava bastante cheia. Orcos pareciam se sentir à vontade, como sempre. Humanos esqueléticos, desdentados e curvados perambulavam na esperança de conseguir algo de útil. Os poucos desta raça que tinham uma aparência menos doentia, eram alguns comerciantes que se diferenciavam apenas por ter um pouco mais de carne no corpo. Corajosos que de alguma maneira conseguiram barganhar sua sobrevivência com algum lorde orco ou mesmo um súcubus ou íncubus. Haviam os volins e os bankdis, mas estes eram aliados dos demônios que dominavam o mundo. Goblins, ogros, pelo menos um asqueroso elfo sombrio e uma variedade de criaturas nunca vista na cidade sagrada completavam a ocupação do espaço.
Hogstrom teria evitado passar por ali, mas caminhara por dois dias, dormira muito pouco e estava atrasado. O fim da tarde se aproximava rápido e sair à noite por aquelas ruas era se oferecer aos caçadores noturnos.
Uma pedra atingiu sua cabeça lateralmente.
- Ei, anão. Que tu tá fazendo aqui? – gritou uma voz infantil.
- Vai pra casa, cocô de troll! – berrou outra.
Sem virar a cabeça percebeu duas crianças magras e nuas sobre uma parede desmoronado do que um dia fora uma grande construção.
Continuou no mesmo passo, era melhor não chamar atenção, mas sentia olhares de dezenas de criaturas em suas costas. Outra pedrada e as crianças riram e vieram correndo atrás dele. Segurou o cabo da faca que trazia preso ao cinto. Se usasse sabia que seria seu fim, mas não ficaria sem responder a um ataque.
Inesperadamente recebeu um monte de barro fétido na cabeça, enquanto as pequenas crias humanas não conseguiam se conter em sua alegria, dando gargalhadas. Virou-se e ameaçou correr para cima delas. Foi o bastante para que elas gritassem e saíssem correndo em desespero.
- Socorro! Ele quer nos devorar! – berrou um deles para o divertimento contido dos ogros e humanos.
O elfo não viu graça e trocou olhares com Hogstrom. Todos odiavam os anões naqueles tempos, mas os elfos sombrios odiavam de maneira muito mais intensa. Somente graças ao acordo entre o os anões de Diam e o Príncipe Antedrom sua raça tinha certa liberdade de locomoção.
Voltou-se e continuou seu caminho. A desgraça estava presente em toda a cidade, mas era mais evidente naquela praça. Na saída dela uma pobre alma fora pendurada como um estandarte funesto da miséria daqueles tempos. Corvos pousavam sobre os braços esquálidos esticados horizontalmente, enquanto outras crianças, igualmente macilentas atiravam pedras para acertar as aves, mas geralmente atingindo o homem. O anão pediu a Blator que tivesse pena daquele sujeito. Seria melhor que ele estivesse morto quando a noite chegasse.
As ruas foram se estreitando enquanto caminhava para o norte e o número de pessoas nas ruas diminuía assim como a chuva. Pensou em perguntar a uma velha senhora que carregava uma enorme bilha d’água nas costas onde ficava a Taverna Azul, mas a mulher que não tinha mais que quarenta anos ameaçou largar tudo e sair correndo quando percebeu a sua intenção.
Seguiu o caminho que achava correto. Há duzentos anos (??CONFIRMAR??) Itéria era uma cidade com uma grande comunidade de anões que vivia em harmonia com os humanos. Participavam das mesmas festas, eram amigos e frequentavam uns as casas dos outros. Ele vivera esta fase, antes do advento dos bankdis, volins e todas as bestas que vieram com eles.
Antes da chegada dos demônios e daquilo que tornaria tudo pior, a vinda do príncipe infernal e sua corte.
A chuva apertou e ele aproveitou a água que descia de um dos telhados para lavar seu cabelo da sujeira lançada pelos garotos. Com o canto dos olhos percebeu algo se aproximando de cima. Virou-se e encarou os pequenos olhos diabólicos de um pequeno demônio voador. Hogstrom puxou sua faca, não convinha menosprezar a criatura devido ao seu porte. Gostaria de usar seu machado, mas ele estava preso as suas costas e levaria um tempo para tirá-lo de lá.
A criatura, todavia, não se arriscou. De hábitos noturnos, provavelmente aproximara-se por curiosidade. Percebendo a reação do alvo resolveu se afastar. Voou em direção a velha com o pote e derrubou-o quebrando. Em seguida, com um grito de satisfação voou para cima de um dos telhados. Se fosse noite, provavelmente teria lhe atacado.
Isso lembrou Hogstrom que precisava se apressar. Por sorte encontrou a taverna em uma transversal apertada que subia um morro. Uma placa azul com nada escrito indicava o local. Um humano velho estava encostado na parede ao lado da entrada a um idoso humano.
- Anões não são bem-vindos – disse com sotaque do interior.
- Por quê?
O velho ficou confuso e tentou balbuciar uma resposta. Hogstrom tirou uma moeda de cobre da bolsa presa no cinto e arremessou para o humano. O esfomeado humano esforçou-se para pegar a moeda, deixou-a cair no chão e atirou-se sobre ela, esquecendo-se dele.
A Taverna Azul era uma apertada construção no andar mais baixo de uma casa com 3 andares. Ele desceu alguns degraus na entrada e olhou em volta. Dois humanos, comerciantes com certeza, conversavam à esquerda. Olharam para ele surpresos, mas voltaram a conversar sem tirar o olho dele. Estranhamente um goblin estava deitado no canto escuro nos fundos da sala. O taverneiro, magro e de olhar nervoso e saltitante estava parado atrás do balcão do estabelecimento. No canto direito quase encostado no balcão e próximo a um armário velho estava sentado um humano alto e forte. Teria passado despercebido quando Hogstrom entrou se ele não tivesse se curvado para frente.
Chacoalhou-se para tirar um pouco da água do corpo, avançou, atirou sua pequena mochila na cadeira ao lado e sentou na mesa ocupada pelo humano solitário, que lhe encarou franzindo a testa. Era um homem muito bem nutrido para a média da época. Tinha os traços de um camponês, mas a rudeza de quem já presenciara algumas batalhas. Não usava barba e estava sujo.
Antes que trocassem alguma palavra o taberneiro chegou:
- Anões não são bem-vindos aqui – disse o homem mais com insegurança que com raiva.
- Não quero boas-vindas, mas um grande prato desta sopa - apontou para o prato em frente ao humano - e uma grande caneca de cerveja.
Colocou duas moedas de prata sobre a mesa. O homem de olhar nervoso tremeu-se, lançou um rápido olhar para o goblin desacordado e rapidamente juntou as moedas, saindo em disparada.
- Tens sorte do goblin não estar acordado. Ele odeia anões – disse o homem com voz calma e pausada.
- Quem gosta? Ele é o dono?
- Sim, mas do jeito que você está distribuindo dinheiro para o taberneiro ele logo vai recomprar a casa.
- Tempos estranhos estes.
O humano estudou-o por um breve momento.
- Sim, anões ricos não eram muito comuns até minutos atrás – disse por fim.
- Não sou rico, estou buscando uma pessoa que tenho que contratar. Aquele dinheiro era dele.
Novamente o humano silenciou.
- Anões ricos, poderosos e engraçadinhos são ainda mais raros, principalmente os vivos – disse com um meio sorriso.
Hogstrom não teve tempo de responder, seu prato de sopa e a cerveja chegaram e ele os atacou esfomeado e sedento.
- Qual seu nome? – perguntou entre um colherada e outra.
- Adriel. Sou quem você procura.
- Como posso ter certeza?
Ele tirou um medalhão de dentro da camisa e exibiu. Uma árvore envolta em um círculo em madeira escura e brilhosa.
- Você poderia ter matado o dono após ele ter contato sobre o nosso encontro...
O homem chamado Adriel pareceu ter ficado incomodado. Guardou o medalhão e acomodou-se desleixadamente na cadeira.
- Meus contratantes querem alguém para guia-los para o norte. Duas pessoas em troca de um bom pagamento e um passe para determinado lugar. Quem deve duvidar que estes contratantes são anões sou eu.
Hogstrom afastou a tigela vazia. Estava satisfeito, não com a comida que era pouca para sua fome, mas pelas explicações do homem. Era quem ele procurava.
- Pois bem, humano. Não sou o contratante. O contratante é um humano que quer que levemos, eu e você, uma pessoa para o norte em segurança.
- Eu poderia perguntar por que ele não paga um servo de confiança para acompanhar esta pessoa. Seria bem mais barato.
Hogstrom olhou para trás. Os dois comerciantes estavam em silêncio.
- Temos que partir. Explico no caminho.
- Você está louco anão. Não vou sair agora. Está anoitecendo e a cidade é perigosa, digo, ainda mais perigosa durante a noite.
Ele não deixava de ter razão, mas a urgência não permitia que passassem uma noite que fosse parados.
- Vamos, quando a noite ficar perigosa estaremos fora da cidade.
- Não sairei agora – teimou Adriel. – Não sobrevivi trinta e quatro anos sendo descuidado.
O anão levantou-se. Tomou o último gole de cerveja de sua caneca, retirou um saco do cinto que tilintou quando ele jogo sobre a mesa.
- Uma parte do seu pagamento está aí. O resto no final da jornada.
O humano ficou hirto. Seus olhos fixos no saco de moedas. Porém, não só o dele, mas de todos na taverna.
- Demente – disse Adriel enquanto dava um salto para pegar o bolsa de moedas. – Eu sabia!
Hogstrom pegou mais uma moeda e atirou para o taberneiro.
- Isso deve pagar a conta dele.
Juntou sua mochila e encaminhou-se para fora.
- Daqui a pouco metade da cidade vai estar atrás de mim – berrou Adriel.
- Venha comigo, então.
A agitação deve ter acordado o goblin. Hogstrom ainda ouviu o odiado ser resmungar embriagado:
- Aquilo é um anão?

* * *
Claudiney Martins

Colaborador de Tagmar desde 2005
Escritor da Série Nova Odisseia Humana (FC)
https://novaodisseia.wixsite.com/humana
#6 Claudiney Martins Enviado : 21/06/20 22:49
Jogador: Claudiney Martins
EF:
EH:
Karma:
Ficou horrível a organização dos parágrafos. Alguém pode me ajudar? Tem como ajustar?
Claudiney Martins

Colaborador de Tagmar desde 2005
Escritor da Série Nova Odisseia Humana (FC)
https://novaodisseia.wixsite.com/humana
#7 T.REX Enviado : 22/06/20 05:33
Jogador: T.REX
EF:
EH:
Karma:
Nobre Claudiney,
Como vai?


Em primeiro lugar quero parabenizá-lo pela iniciativa de escrever um romance. Escrever melhora o nosso vocabulário, enriquece a nossa mente, nos dá confiança, acreditando nas nossas próprias ideias, além de apresentar respostas para as pessoas que procuram soluções nos livros.

Esta semana terminei um romance que venho trabalhando há anos. No tamanho A5, utilizando a tipografia (para os designers é errado dizer fonte) Times New Roman tamanho 12, com espaçamento simples, totalizei 213 páginas, contendo introdução (6 páginas), 22 capítulos (em torno de 5 a 14) e epílogo (2). Assim como você, e o projeto Tagmar sabe disso, pedi diversas opiniões aos colegas daqui. Estudei vários livros do projeto e mesmo assim não sei muita coisa. Criei tópicos, apresentando minhas escritas, lendo palavras positivas dos tagmarianos.

Mas eu não ficava satisfeito. A minha maior preocupação: qual o público que irá ler o meu livro?

Tagmar é visitado não só pelo coroas como eu (47 anos), mas também por ADOLESCENTES. Ou qualquer outra pessoa que esteja entrando no mundo do RPG AGORA. Não adianta escrever frases de difícil interpretação, pois muitos podem não entender. Precisamos ser maleáveis, flexíveis, moldáveis.

Quando escrevo, procuro ser o mais elucidativo possível. Por exemplo, a palavra Trol (um das criaturas do projeto). Muito podem não saber como é a criatura. Então mostro nos textos as características dela. Nome de cidade, a mesma coisa. Procuro deixar claro onde fica localizada e características dela (é claro que não repetirei os detalhes da mesma cidade em todo o livro). Os livros do projeto ajudam demais (saiba que romances nossos poderão ajudar muitas pessoas a mestrarem aventuras fantásticas em nossa ambientação).

Serei breve.

Todo romance precisa de um início, meio e fim. E o início, precisa de uma introdução. Tagmar é um jogo de muita ação. Então não adianta colocar uma entrada que não chame a atenção dos leitores; uma abertura sem ação mostrará para os ledores que sua obra toda será muito fraca. Perceba que algumas capas dos nossos livros, suas figuras estão em ação, estão fazendo alguma coisa. O objetivo é transmitir o espírito de cada livro. Já postei aqui uma introdução da minha obra que, na minha mente, era perfeita por longos anos. Mas este mês destruí por falta desta qualidade.

Não sei você, mas gosto de escrever tendo por perto site de dicionários, sinônimos, antônimos, conjugação de verbos, dúvidas de português, e dúvidas de como escrever um bom livro. Não é vergonha ter tudo isso por perto. E quando se cansar de escrever, não descarte sua história. Guarde. Muito leitores chamam isso de GUARDAR NA GAVETA. Quando voltar a escrever, releia todo seu romance, inconsistências você IRÁ ENCONTRAR. É fato.

Saber pontuar é muito importante. A pontuação serve para dar sentindo ao texto e representar pausas ou entonações. Reproduzem nossas emoções, intenções e anseios. Leia e releia sempre. E se possível em voz alta. Te ajudará pra caramba!

Minha obra terá continuação. Já iniciei o meu segundo romance, pois tenho em minha mente toda a história resumida. Mas não vou mentir. tenho medo de virar enciclopédia (um conjunto de livros). Talvez as pessoas não gostem, sei lá.

Meu nobre, como é gostoso escrever. Me empolgo muito com cada personagem meu. Jogando um PBF nosso, em 2008, mestrado por Alan Emmanuel - se não me falha a memória - que tive a ideia de escrever meu romance (ainda não publicado).

E mais um detalhe (já ia me esquecendo): tratando-se de personagens, dê nomes e sobrenomes a eles. Mas não altere os nomes dos personagens do projeto Tagmar, e não mate-os, caso queira publicar aqui. Parece ser uma coisa boba, mas o sobrenome enriquece sua história. Utilize pronomes de tratamento (para sacerdotes, Vossa Reverendíssima, V.Rev.mas (no caso plural) e V.Rev.ma (singular); para reis e imperadores, Vossa Majestade, VV.MM. (plural) e V.M. (singular). E por aí vai).

Enfim, colegas daqui podem expor palavras melhores que as minhas, um mero coordenador de criaturas incapaz de ensinar como deve escrever uma obra. Aqui temos pessoas formadas em letras que podem ajudar na sua escrita. Posso ajudar dentro daquilo que aprendi com o tempo. Então, sugiro começar com introdução, produzindo escritas de fácil compreensão. Conversarei com a diretoria sobre criarmos um tópico focado para romances (muito diferente das crônicas).

Um forte abraço e boa sorte. Conte comigo sempre.

Sds. cretáceas,
Tiranossauro Rex

#8 Claudiney Martins Enviado : 22/06/20 22:09
Jogador: Claudiney Martins
EF:
EH:
Karma:
T Rex, obrigado pelas palavras. Espero que disponibilize o quanto antes seu livro para nós.

Este, como acontece no passado não alterará nada da ambientação, pelo contrário, dará mais detalhes de acontecimentos locais do passado próximo.

Pretendo postar dois capítulos por semana, em um total aproximado de trinta, então será uma jornada longa, mas vou aproveitar que não estou escrevendo para a série de FC que participo para produzir por aqui.

Abraços.
Claudiney Martins

Colaborador de Tagmar desde 2005
Escritor da Série Nova Odisseia Humana (FC)
https://novaodisseia.wixsite.com/humana
#9 Claudiney Martins Enviado : 02/07/20 11:22
Jogador: Claudiney Martins
EF:
EH:
Karma:
[Depois de ter lutado contra hordas de demônios lideradas por nada menos que o terrível Ciclone Bomba, segue o segundo capítulo.]

2. Samara

.....O pequeno demônio acompanhava a sua subida de perto. Seus olhos negros cercados de um rubro intenso não perdiam um passo seu e aguardam ansiosamente que falhassem. A subida nunca foi fácil, mesmo quando era apenas uma aprendiza jovem e cheia de energia e acompanhava a Sacerdotisa Draria nas reuniões quase que semanais com Antredom.
.....As pequenas pausas que dava já não pareciam ser suficientes. O tempo de subida aumentava a cada ano, mas estavam dentro do limite que o príncipe demônio aceitava. Rulio, seu provável substituto ainda não sabia da regra cruel de Antredom, mas parecia pressentir que não seria bom que eles se atrasassem muito ou que ela tropeçasse e caísse. O arquiteto da torre fizera um trabalho, sem trocadilhos, diabólico. A torre cilíndrica se estreitava, a escada subia e, caracol pelos doze andares sem salas, sem parede e com uma leve inclinação para o centro. No começo da jornada o convidado a presença do príncipe demônio de Efrim nem percebia este detalhe, mas conforme subia e as pernas sentiam o esforço, o vazio central passava a atrair silenciosa e mortalmente. Samara conhecia alguns relatos de acidentes fatais. Antes tão confiante, agora ela não tirava sua mão esquerda da parede. Rulio acompanhava ela um degrau abaixo com muita atenção e cuidado.
.....Bom rapaz. Doía ter que colocar ele e Gamarina nestes jogos inumanos. Porém eram tempos difíceis e para sobreviver, alguns conceitos tinham que ser ultrapassados.
.....Finalmente ela chegou ao topo. O pequeno demônio voou para baixo desanimado. Não era daquela vez que ele teria o prazer de delatar a falha da Grã-Sacerdotisa de Liris.
.....Ela riu internamente, o título soava estranho quando se sabia que era apenas por maldade que ele ainda existia nas terras ocupadas pela Seita.
.....Samara suspirou fundo e entrou no ambiente sem porta. Um largo corredor atravessava a grande sala onde inúmeras celas com pessoas de várias raças passavam seus últimos dias de vida maltratadas e esfomeadas. No meio dela um enorme demônio com grandes chifres e um chicote na mão controlava a famélica multidão. Ele tinha a função de ‘cuidar’ dos condenados e levá-los ao julgamento do chefe na sala superior.
.....Seus olhos dourados pregaram na sacerdotisa e a acompanharam por todo o trajeto. O ódio que partia deles era quase físico, ele quase o sentia como uma punhalada. Apesar de sua forma humana era assustador. Teve que passar pelo monstro e dar-lhe as costas. Só a certeza de ser dura e mortalmente punido por Antredom impediam que ele se jogasse sobre ela e Rulio, e os estraçalhassem.
.....Rulio! Esquecera dele. Virou-se e notou que o jovem a seguia com firmeza, mas evitava olhar o gigante. Ela fora assim também, até o dia que teve consciência de que seu fim estaria inevitavelmente nas mãos daquele ser. Quando falhasse na subida da escadaria e o pequeno demônio avisasse que sua fraqueza ultrapassara a sua força, o demônio viria buscá-la e a levaria a presença de Antredom que anunciaria enfim que Liris teria outra sacerdotisa ou sacerdote em breve.
.....As lembranças dos últimos dias de Draria ainda estavam bem vivas. Tinha que contar tudo aquilo a Rulio. Seria o primeiro teste para ver se ele cumpriria as regras de Liris, o tratado com os príncipes Demônios e se teria potencial para se tornar líder. O outro teste era até mais sensível, mas ela só o levaria a ele se tivesse absoluta certeza que teria sucesso.
.....Subiu o lance de escada lentamente. Estava cansada obviamente, mas encarar Antredom nunca era fácil, e uns segundos que fossem de preparo a ajudariam. Chegou no andar superior virada para a parede. Um emblema com a face demoníaca de Antredom estava fixada nele. Embaixo, ele perguntava em letras escritas com sangue escorrido: ‘Já abandonastes a esperança?’
.....O som de músicos invadiu sua consciência. Ela os ouvira antes, mas só agora se dava conta que o príncipe demônio havia colocado um grupo de músicos para tocar. Não era a primeira vez, mas não era uma coisa comum.
.....A sala era enorme, circular como a torre. Nas extremidades esquerda e direita, escadas subiam para cômodos nunca visitados. Três músicos tocavam seus instrumentos (?) ao lado da escada da direita. Havia umas 13 pessoas amarradas a correntes espalhadas pela sala. Dois deles eram elfos. Próximos de todos eles pratos de comidas cheios de iguarias, porém fora de seus alcances. A fome era visível em seus olhos tristes e fundos. Os pratos foram retirados por pequenos demônios voadores assim que ela pisou na sala.
.....Antredom sentava-se ao centro de uma enorme mesa semicircular. A sua direita, alguns volins que ela não conhecia. A esquerda seu pequeno e gordo demônio voador de estimação, duas figuras que ela desconhecia e por fim o bandki Mustafi, governante de Igara, a cidade mais ao norte sob o governo daquele príncipe demônio.
.....Ela se aproximou da mesa com passos calculadamente lentos. Procurava estudar os participantes do banquete antes que as conversações começassem. Os volins vinham das terras ao sul do rio Quiris. Traziam suas disputas intestinas para que Antredom intervisse. Os dois desconhecidos eram das regiões oeste, suas vestimentas denunciavam. Mustafi era uma presença frequente aquela mesa. Aqueles visitantes não pareciam ser o motivo de ter sido chamada ali, mas com Antredom era bom não abraçar a certeza tão rapidamente.
.....O príncipe demônio se apresentava a todos eles como um homem alto, gordo e de calva brilhante. Lábios gordos e sorridentes. Todavia, neste sorriso e nos seus olhos não se via simpatia ou alegria, apenas um ódio calculado e ganância sem fim. Ela, entretanto, conseguia ver sua verdadeira natureza física, que nada tinha a ver com aquela imagem de ser humano. Nem sempre, era verdade, mas sempre que algo o incomodava e ele perdia o seu autocontrole.
.....Quando nova, logo que veio a primeira vez ao covil do demônio, comentou com suas companheiras a visão, mas riram dela e ela resolveu nunca mais comentar com ninguém. Primeiro por pura birra juvenil, depois como uma estratégia de sobrevivência. .....Possivelmente, nem mesmo Antredom sabia daquilo.
.....- Samara! – disse ele suave e com falsa surpresa. Sabia que ela estava ali desde o primeiro passo dentro da Torre. - Veio juntar-se a nós em nosso banquete?
.....- A não ser que o mestre deseje que esperemos, nossa vinda é breve. Sabe Vossa Onipotência que não cairia bem a Sacerdotisa de Liris...
.....- Não pronuncie este nome aqui! – berrou levantando-se ameaçadoramente.
.....Aos seus olhos, e aparentemente apenas aos seus olhos, o homem gordo se transformou em um gigantesco e medonho demônio rubro com dentes enormes enegrecidos pelo mal que atacava igualmente todo o seu corpo. Rachaduras na pele permitiam que um sague brilhante como lava saíssem e fossem a fonte de um mal cheiro sempre presente. Dois chifres retorcidos aleatoriamente tinham quase um metro de comprimento cada. Os olhos vermelhos irradiavam crueldade e o nariz torto e cheio de cistos era animalesco.
.....- Sim vossa magnificência, eu quis dizer que em minha posição não cairia bem jantar com o príncipe.
.....A aparência de Antredom regressou ao normal e ele voltou a sentar o enorme corpo humano.
.....- Sim, eu sei – disse com um sorriso enviesado. – Chegará, no entanto o dia que sentarás comigo e fará sua última refeição, bem sabes.
.....- Se assim for o desejo de...
.....- Não! Não repita!
.....- ...de Vossa Onipotência, eu ia dizer.
.....Ele pôs um enorme pedaço de carne na boca e falou:
.....- Desconfio que você gosta de brincar comigo, sacerdotisa Samara.
.....Ela ficou calada. Não era brincadeira, mas uma provocação. Antredom moveu sua atenção para Rulio.
.....- E você jovem? Não tem fome?
.....O sacerdote olhou para Samara em busca de auxílio. Ela apenas acenou para que respondesse.
.....- Agradeço, vossa magnificência, mas temos pressa.
.....Boa resposta. O rapaz tinha futuro.
.....Antredom estudou-o por um breve instante. Em seguida pegou um osso e jogou para um dos condenados acorrentados. O osso cai calculadamente a uma distância que um demônio voador que circulava pelo ambiente podia recolhê-lo antes que do famélico humano. Um lamento triste saiu de sua boca para o deleite do príncipe demônio.
.....- Ele será o seu substituto? – perguntou se referindo a Rulio.
.....- Sim, vossa magnificência. Esta sendo preparado para cumprir as obrigações que tradicionalmente nossa ordem vem exercendo desde o início da chegada da Seita.
.....Ele voltou a olhar para Rulio e com os olhos apertados mirou para Samara.
.....- E a jovem Gamalina? Achei que ela era sua sucessora.
.....Ela teve que controlar-se. O Pouco, como também era conhecido, estava sempre alerta a traições. Se desconfiasse dela sua vida não valeria nada.
.....- A sacerdotisa Gamalina partiu – disse secamente.
.....A imagem humana de Antredom estava visivelmente desconfiada. Samara chegou a ver a face verdadeira do demônio por um brevíssimo instante e até onde ela conseguia decifrar, estava igualmente incomodado.
.....- Partiu? Para onde? E por que?
.....- Ela partiu sem me avisar Lorde, mas comunicou a alguns colegas que iria para Brual.
.....- Brual?
.....A desconfiança dele agastava. Andredom não confiava em ninguém, mas sempre disfarçava com um véu de polidez servil que tinha mais a intenção de ludibriar que qualquer outra coisa. Porém, quando ele deixava este comportamento, era de certa forma assustador. Na mesa os convidados sentiram a tensão e pararam de comer.
.....- Sim, ela andava incomodada com o ataque de alguns magos aos sacerdotes de nossa ordem naquela cidade.
.....Ele empurrou a mesa que se abriu para criar uma passagem onde o seu corpanzil conseguisse passar. Aproximou-se dela, mas não de maneira ameaçadora, o que podia ser uma grande enganação. O Pouco era igualmente perigoso quando parecia suplicante ou aborrecido. Samara sentiu o nervosismo de Rulio um passo atrás dela.
.....- E o anão? Aquele que Draria tirou de mim?
.....Ele sabia que também Hogstrom tinha partido. Poucas coisas passavam despercebidas pelo lorde demoníaco, governante das antigas férteis terras do sul de Tagmar.
.....- Mandei-o atrás dela. Tenho esperança que ele consiga convencê-la a voltar.
.....Seria o fim de Gamalina.
.....Ele demorou um pouquinho olhando-a de muito perto. Seu hálito fedia a podridão inominável. Apesar de acostumada, teve que segurar sua ânsia.
.....- Muito bem! – disse dando-lhe as costas e regressando a mesa. – Avise assim que tiver novidades.
.....Ele sentou-se e pegou uma maça da mesa e jogou-a para Rulio.
.....- Pegue rapaz. Uma das últimas da estação.
.....Rulio agarrou-a no ar e olhou para Samara, que nada disse.
.....Samara permaneceu no seu lugar, apesar de Antredom aparentemente ter encerrado a reunião. Ele não daria o que era dela por direito acordado centenas de anos antes, a não ser que pedisse.
.....- Vossa Onipotência lembra do tratado.
.....Sua cara de surpresa não escondia a falsidade.
.....- Ah! Como pude esquecer, claro. Como sempre, a cada visita a sacerdotisa faz sua colheita - lamentou. - Sempre deixando este pobre ser ainda mais carente.
.....Samara não respondeu. Queria sair dali o quanto antes.
.....Ele tamborilou na mesa como se pensasse em algo.
.....- O tempo de utilidade de sua ordem para mim está acabando, sacerdotisa – disse deixando de lado o tom lamentoso. - Logo não precisaremos mais de pregadores dos antigos deuses. A adoração a mim e meus colegas cresce dia a dia, pois somos as verdadeiras e únicas divindades deste mundo.
.....Ele fez um largo gesto apontando para as pobres almas acorrentadas.
.....- Seus Deuses lhes abandonaram, sacerdotisa. Não há porque orar para eles.
.....- Aproxima-se o dia em que só Vossa Onipotência será glorificada em todos os recantos desta terra, mas não chegamos lá ainda. Boa parte do povo rural ainda tem força para plantar e colher por acreditar nas bênçãos destes deuses. A população tem diminuído com a fome e as doenças, ainda assim. Logo Vossa Onipotência estará em grande desvantagem em comparação com seus pares.
.....O demônio se mostrou a ela mais uma vez. As palavras o irritaram, mas eram verdadeiras. O povo daquela região não se destacava pelas capacidades de luta, mas eram vitais para a manutenção das gigantescas tropas ao norte. Antredom minava esta capacidade com uma política de tirar o máximo do povo, jogando-os na miséria e provocando um morticínio que ultrapassava o crescimento populacional. Apenas o trabalho da ordem de Liris conseguia amenizar a situação.
.....- Vá, sacerdotisa – mandou ele impaciente. – Leve seu tributo. Conversaremos mais tarde.
.....Em seguida ele soltou um urro que fez com que todos se encolhessem. Até mesmo Samara que já passará por aquilo inúmeras vezes gemeu.
.....O grande demônio do andar de baixo apareceu rapidamente. Antredom fez um sinal para ele que se virou para Samara aguardando.
.....Samara caminhou por entre os cativos e parou frente a um dos elfos. Ele ergueu os olhos para ela e imediatamente entendeu o que viria. Com olhar suplicante fez sinal de não com a cabeça e apontou para o outro elfo. Ela virou-se e indicou o outro então para o demônio que se ajoelhou e com movimentos ágeis libertou a pobre criatura dos grilhões.
.....- Consegue leva-lo? – perguntou para Rulio. – Ele parece desacordado e provavelmente não terá forças para andar.
.....- Não seria melhor levar o outro, sacerdotisa?
.....- Levaremos este. Dei-me sua maça – ordenou. Tinha pressa, pois temia que Antredom negasse o seu tributo.
Rulio não discutiu. Entregou a maça a ela que imediatamente laçou para o elfo consciente, que lhe agradeceu com o olhar.
A descida das escadarias foi lenta, cuidadosa e silenciosa. Samara sentia algo indefinível no ar. Antredom desconfiava de algo, temia alguma coisa. Lembrou-se de Draria lhe falar em sua última subida, quando seu destino fora selado ao sentar-se sem folego em um degrau da escada: ‘Você presenciará grandes mudanças, Samara. Fique firme, pois sereis um dos pivôs do que virá’.

* * *




Claudiney Martins

Colaborador de Tagmar desde 2005
Escritor da Série Nova Odisseia Humana (FC)
https://novaodisseia.wixsite.com/humana
#10 Claudiney Martins Enviado : 04/07/20 22:26
Jogador: Claudiney Martins
EF:
EH:
Karma:
3. Antredom

.....Ele jogou-se da parte mais alta de toda a Efrim rumo ao chão. Não por acaso este local era o topo de sua torre cônica onde ardia uma fogueira a qual chamavam eterna, mas que existia a pouco menos de duzentos anos. Alguém dera a ideia e ele aceitou, imaginando o efeito sobre a população da região e, por que não dizer, de toda a sua área de domínio.
.....Todavia, não era isso que clamava sua atenção, mas o chão que se aproximava rapidamente. O choque moeria seus ossos humanos, causando muita dor, mas teria pouco efeito sobre sua existência demoníaca. Sairia daquilo vivo. No último instante abandonou sua transmutação humana e abriu gigantescas asas que o fizeram plainar evitando o solo e o empurrando para longe do planalto escarpado. Lá embaixo aos telhados escuros de centenas de construções demarcavam a cidade de Efrim, antiga capital do reino de Eredra, e hoje ponto central dos domínios de Antredom, um dos treze príncipes demônios trazidos a Tagmar pelos bandkis e a magia da Pedra Negra.
.....Era tarde da noite e as ruas estavam deserta como em boa parte das cidades daquele mundo. Ele voou por cima daqueles telhados como fazia as vezes para satisfazer sua ânsia assassina e cruel. Hoje, porém, não iria caçar. Não tinha vontade nem tempo para isso. Seus pensamentos se voltavam exclusivamente para aquela sensação de que algo estava saindo fora do planejado e esperar por uma Tagmar inteira a mercê dos príncipes demônios era um sonho distante. Seu reino em Tagmar estava em perigo. Ele estava em perigo.
.....Soltou um lamento alto e nefasto. Nas casas homens, mulheres e crianças temeriam por suas vidas, mas hoje não precisariam se preocupar. Hoje não teria matança. Voou para o norte, saindo de sobre a cidade e sobrevoando campos onde a colheita havia sido realizada a pouco tempo e as terras lamacentas do começo do inverno descansavam esperando as sementes da primavera.
.....Samara tinha razão. Ele estava exigindo muito daquele povo. Os exércitos dos treze príncipes demônios lutavam ao norte e precisavam cada vez mais dos grãos produzidos naquela terra, mas a produção vinha diminuindo muito a cada ano. Sua culpa estava nisso. A miséria – ah, a deliciosa miséria – a qual jogara o povo em geral tornavam aqueles odiosos humanos menos produtivos. As ameaças surtiram efeito durante muitos anos, mas a mortalidade causada pelas doenças e pela fome tornavam os campos menos habitados. Além disso, a proibição de adoração de alguns deuses também tinham seus efeitos.
.....Por isso Samara existia. Por isso, existia um culto ao Deus Liris. Ele aceitaria ainda tudo aquilo, mas nunca a volta do culto e da ordem de outros deuses. Estes, que existiam na clandestinidade tinham que morrer, tanto o culto quanto seus sacerdotes! Só assim as divindades teriam o mesmo fim.
.....Estava pronto para dobrar a esquerda quando avistou ao longe um pequeno foco de luz. Seria um viajante descuidado mantendo uma fogueira para se aquecer? Voou alto e aproximou-se do foco. Sua ansiedade por causar maldade era quase incontrolável. Quando chegou a uma distância menor, contudo, percebeu que se tratava de uma pequena casa rural. Alguém tinha tido uma colheita acima da média para estar consumindo um recurso tão precioso assim. Por um momento considerou visitar aquela casa, mas novamente as palavras de Samara ecoaram. Tinha que se controlar e controlar seus demônios, a produção do próximo ano teria que ser maior ou os outros príncipes demônios se revoltariam contra ele. A guerra entre eles era perigosa para todos.
.....Lançou outro lamento que fez com que o proprietário apagasse a fonte de luz imediatamente. Uma das poucas coisas que Antredom temia era ter de voltar para o seu sempre cinzento e aborrecido reino no submundo. Preferia as noites escuras dentro dos dias, preferia a variedades de cores, sabores e cheiros do mundo dos vivos. Preferia a angústia e sofrimento dos miseráveis encarnados e principalmente, o que não havia de forma parecida por lá, o fim da vida dos seres vivos de forma arrastada e sofrida.
.....Vida! Isso. Vida! Era isso que existia em Tagmar. Tinha a dele e a de milhões de seres a sua disposição!
Respirou profundamente o ar gelado da noite e bateu fortemente suas enormes asas, afastando-se para o oeste. Uma das luas aparecia entre nuvens ralas. Não choveria nos próximos dias, o que era bom. As últimas caravanas de grãos ainda partiam para Treva de onde rumariam ainda mais para o norte. O tempo seco ajudaria a viagem e as perdas seriam menores.
.....Fez uma grande curva em volta de Efrim. Quando ao sul viu a grande faixa negra do rio Itéria, resolveu voltar. Tinha um assunto a tratar ainda aquela noite e não convinha atrasar. Havia divagado mais do que o normal, já estava sobre a estrada que ligava Efrim a cidade que beirava o rio e tinha o mesmo nome dele. Rumou noroeste acompanhando a rota.
.....Ao chegar à cidade fez um sobrevoou por cima da chapada e de sua torre. Os pequenos demônios que se empoleiravam nas amuradas se deleitando com fogo que ardia no centro do topo, se encolheram com sua aproximação. Apenas o roliço Aciti alegrou-se. O estupido demoniozinho era o seu preferido e parecia gostar dele. O sentimento estranho e inusitado para Antredom, fazia com que ele o tivesse sempre por perto, mesmo que muitas vezes quase não conseguisse segurar o desejo de maltratar o pequeno ente.
.....Contornou o planalto quase encostando sua asa direita nas escarpas. Nem mesmo os corajosos volins que faziam a guarda das subidas ficavam imóveis a sua aparição e procuravam se proteger em algum canto escuro.
.....O príncipe demônio terminou sua volta e rumou para o pequeno bairro onde moravam os poucos comerciantes relativamente ricos da cidade. Muitos deles estavam em viagem e apenas suas famílias, fortemente protegidas por bárbaros, criaturas exóticas e até mesmo alguns demônios, permaneciam em suas casas. Nenhuma delas estava suficientemente protegida para sua chegada.
.....Antredom escolheu uma em particular, guardada por bandkis e entrou. Paredes não eram obstáculos para ele. O poder de atravessá-las era um dos quais podia se orgulhar frente aos outros príncipes demônios. Até onde sabia, era o único que conseguia fazer aquilo. Em um momento estava voando com seu corpo demoníaco em direção a parede da grande mansão, no seguinte estava silenciosamente em pé ao lado da cama de Dejom já na sua forma humana. Deu um passo para trás se ocultando na escuridão do enorme quarto.
.....Dejom pressentiu a presença e saltou da cama com uma rapidez incrível para o tamanho de seu corpo. Não havia gordura nele, apenas músculos que saltavam por todo ele. O homem acalmou-se tão rápido quanto sua reação.
.....- Antredom – disse ele.
.....As duas concubinas que dormiam ao seu lado nem se mexeram. Duas outras dormiam em almofadas no chão e igualmente não tiveram qualquer reação.
.....Dejom vestiu-se, mas não fez nenhum movimento para pegar suas armas levanianas. Tinha um autocontrole invejável. Outros, mesmos bandkis tinham a tendência de colocar a mão em uma arma sempre que ele aparecia. Ou Dejom tinha plena consciência que não tinha chances contra o príncipe demônio ou confiava demais em sua rapidez.
.....- Como sabe que sou eu?
.....- Só você teria a coragem de entrar no meu quarto sem autorização.
.....- Faz sentido.
.....Antredom saiu da sombra. Gostava que olhassem sua forma humana. Ela tornava as pessoas, principalmente humanos, mais propensas a colaborar com ele.
.....- Você não foi ao banquete.
.....Dejom apontou para a porta do quarto e saiu por ela. Um corredor largo levava para vários outros cômodos. Dois bankdis vinham ao encontro deles com armas nas mãos. Dejom dispensou-os com um gesto rápido. Os dois fizeram uma rápida reverência a Antredom e voltaram rapidamente. Entraram em uma sala com elegantes almofadas e uma mesa baixa no centro. Os dois acomodaram-se frente a frente.
.....O bankdi tinha os traços retos e duros do povo do Oeste. Apesar de ter nascido em Efrim, era filho de um hábil guerreiro vindo do deserto de Blirga e só não estava nos exércitos do Norte por interferência de Antredom. Era por isso que aquele homem o odiava tanto.
.....O demônio riu.
.....- Divertindo-se esta noite, demônio?
.....Só os bankdis chamavam os príncipes demônios desta maneira, mas a palavra saída da boca de Dejom soava como uma maldição. Era normal que, como adoradores dos príncipes demônios, os bankdis conhecessem certas particularidades de cada um deles. Sua transformação e seus pequenos vícios não eram segredos para os homens da Seita.
.....- Nunca há folga para esta alma, Dejom. Você sabe. Existem milhares de problemas para resolver: plantação, colheita, transporte, apaziguar as intermináveis brigas entre as criaturas do sul em passagem do sul para o norte e vice-versa. Se não bastasse, tenho que evitar guerra entre volins e bankdis.
.....- Não há perigo de guerra. Uns incidentes são normais.
.....- Sim, mas os incidentes matam muitos volins e poucos bankdis. Isso é um problema.
.....- Os volins são estúpidos.
.....- São, mas também bons aliados. O filho de um Portentã perdeu a mão em uma briga com um dos seus homens.
.....- Teve sorte então.
.....Antredom respirou fundo. Não perderia a calma com o bankdi por causa de um assunto secundário.
.....- Diga para os seus homens se controlarem – falou contendo-se. – Temos tempos difíceis pela frente.
.....Dejom olhou-o intensamente. Percebeu que aquele não era o assunto da visita e estava curioso.
.....- Falarei com eles. Não ocorrerá mais.
.....- Ótimo. Temos tempos difíceis pela frente.
.....Os olhos de Dejom se apertaram levemente. Passariam despercebidos por alguém que não fosse Antredom. Curiosidade.
.....- Tenho uma missão para você e seus melhores homens – continuou Antredom. - O anão que vivia com a ordem da sacerdotisa Samara partiu de Efrim.
.....- Não foi a primeira vez.
.....- Sim, mas desta vez ele partiu sozinho, no meio da noite sem que ninguém soubesse por que e para onde.
.....- E o que Samara disse?
.....- Que enviou ele para ir atrás da sacerdotisa Gamalina.
.....- A jovem Gamalina? Para onde ela foi?
.....- Segunda Samara para Brual, mas o anão foi visto perambulando por Itéria.
.....- Para Brual? Onde os magos mataram vários sacerdotes de ...
.....- Sim, estes mesmos. Gamalina teria assumido uma missão de pacificação.
.....- Está mais para um martírio.
.....Dejom irritava Antredom, às vezes, mas ter alguém com quem conversar que não apenas baixasse a cabeça a tudo o que ele dizia era interessante também. O bandki continuou:
.....- Então está resolvido, a não ser que você tenha dúvidas sobre Gamalina e Hogstrom.
.....O anão sempre fora o problema. Se pudesse voltar no tempo estraçalharia a sacerdotisa Draria no momento que ela o escolheu como tributo. Havia algo de errado com aquele homem ele sempre sentiu e por isso manteve vigilância sobre a criatura. Agora este pressentimento indefinível abraçava tudo o que cercava o anão e expandia-se como uma neblina. Se antes envolvia apenas Hogstrom e Samara, agora abraçava o topo da chapada, e pessoas como o jovem Rulio.
.....O bankdi não sabia disso, nem saberia. Uma fraqueza que ele não demonstraria a ninguém. O domínio dos príncipes demônios estava apenas começando em Tagmar. Pequenos problemas apenas tornavam as coisas mais interessantes.
.....- Não confio em Samara e nem nos sacerdotes dos antigos deuses. Muito menos nesta ordem. Se abjuraram os antigos deuses, podem me trair também a qualquer instante.
.....Dejom estudou-o em silêncio. Antredom poderia continuar: ‘nem em você’.
.....Por um momento seus sentidos ficaram confusos. Sua mente foi levada para o seu mundo cinzento e cheio de almas infelizes. Foi breve, mas trazia o sentimento de perigo como ele nunca tinha sentido.
.....Uma jovem entrou com uma bandeja com bule de chá e pequenos copos e ele voltou ao mundo dos vivos. Ela não o olhou nos olhos, fez inúmeras referências e saiu apressadamente. Tomaram alguns goles em silêncio.
.....- Você quer que eu envie alguém para trazer os dois de volta – concluiu o esperto bankdi.
.....Antredom fez uma cara de suplicante, mas obviamente Dejom sabia que era uma ordem.
.....- Preferiria que você liderasse as buscas.
.....- É um trabalho de volins.
.....- Eles são estúpidos, você mesmo disse.
.....O bandki tomou um grande gole e falou:
.....- Se capturá-los, você me libera para ir à guerra no norte?
.....- Sim. Prometo.
.....Dejom riu descaradamente.
.....- Uma promessa de Antredom. Devo ficar tranquilo – disse ironicamente.
.....O príncipe demônio sorriu de soslaio. Ele cumpria algumas promessas, é claro, senão quebrá-las não teria a menor graça. Tomou seu último gole, largou o copo sobre a mesa, levantou-se e antes de sumir disse:
.....- Não precisa capturá-los, só os mate. Mas antes descubra se Samara está envolvida.
* * *
Claudiney Martins

Colaborador de Tagmar desde 2005
Escritor da Série Nova Odisseia Humana (FC)
https://novaodisseia.wixsite.com/humana
#11 Claudiney Martins Enviado : 04/09/20 10:03
Jogador: Claudiney Martins
EF:
EH:
Karma:
Finalmente o 4º capítulo. O 5º está prontinho, só faltando a revisão. Neste voltamos a visitar a dupla Hogstrom e Adriel, desta vez pelo ponto de vista do rastreador. Quem preferir ler em PDF, mande uma mensagem em PVT que envio o arquivo. O pdf permite diagramação mais confortável para leitura.

4. Adriel

.......– Trinta e sete, trinta e oito, trinta e nove...
.......– Contando de novo?
.......Adriel olhou para seu interlocutor admirado. Claro que estava contando novamente. O dinheiro era dele! O que o anão esperava? Além do mais, ainda se espantava, e de quebra se irritava com a manobra dele para fazer com que Adriel o seguisse.
Jogar um saco de dinheiro para ele na frente de todo mundo foi uma estratégia suja. Queria que o matassem? Era óbvio que não teria uma noite de descanso em Itéria se ficasse por lá. Seria surpreendente se sobrevivesse a primeira virada de dia.
.......– Muito mais interessante que ficar se jogando na grota cada vez que alguém se aproxima.
.......– Fale baixo! Eles estão próximos ainda.
.......– Quem eram? Volins novamente?
.......O anão desceu a encosta que acabava em um rio estreito e pedregoso, aproximando-se.
.......– Volins – respondeu com um sussurro. Passou a mão pelas largas sobrancelhas ruivas e apertou o enorme nariz. Sentou-se em seguida em uma pedra.
.......Hogstrom estava muito cansado. Os dois haviam caminhado a noite toda e metade daquele dia pela estrada lamacenta. Tinham acabado de entrar em um estreitamento do vale que os levara a Samor. A estrada serpenteava pelo flanco rochoso, coberto de vegetação e os levaria para bem próximo da cidade.
.......Todavia, o cansaço do anão era maior que o causado por uma noite de sono perdida. Adriel tinha experiência suficiente para saber.
.......– Vamos descansar um pouco aqui?
.......– Não! Precisamos chegar a Samor o quanto antes.
.......– Estou faminto – reclamou.
.......Realmente, Adriel não mentia. Seu corpanzil exigia um suprimento constante de alimentos e a falta dele o deixava terrivelmente mal-humorado. Logo ele estaria competindo com o anão para ver quem era o mais ranzinza.
.......– No meio da tarde chegaremos em uma venda de beira de estrada. Você pode usar seu dinheiro para comprar algo para nós.
.......– Você está brincando! Me deu quarenta moedas de cobre, que só fazem volume e ainda quer que eu pague seu almoço?
.......– Isso é tudo o que temos para a viagem até Samor. Economize!
.......Economizar? O anão era muito abusado. Adriel teve que levantar-se rapidamente, pois Hogstrom já subia a encosta para alcançar a estrada. Correu e alcançou-o adaptando seu ritmo a passada rápida e decidida do companheiro de viagem.
.......– Eram os mesmos volins da manhã? Uma patrulha novamente? Será que procuram algo? Ou alguém?
.......O anão olhou-o com a fisionomia nada amigável.
.......– Desta vez eram volins escoltando um bankdi. Provavelmente um cobrador de impostos.
.......– Antredom poderia levá-los para o inferno dele...
.......O anão bufou nervosamente. Ele tinha alguns segredos. Adriel fora contratado para levar duas pessoas para o norte, pois fazia este percurso quatro ou cinco vezes por ano. Levava pessoas ou mercadorias por caminhos menos vigiados e ganhava relativamente bem por isso, mas o preço que ele estava cobrando desta vez era extremamente alto, e como o pagamento foi prometido, a missão devia ser muito arriscada.
.......Até agora, entretanto, Hogstrom não dera qualquer dica do que podia ser.
Chegaram em uma taverna na metade da tarde como o anão previra. Adriel queria logo entrar e comprar algo para comer, mas seu companheiro de viagem fez com que esperasse para que tivessem certeza que o estabelecimento de beira de estrada estava vazio. Finalmente foi liberado para entrar.
.......Uma senhora de idade avançada atendeu-o bastante desconfiada. Pequena, quase se escondia atrás do balcão. Todavia, o tamanho de Adriel não a intimidava. Seu olhar era firme e enviesado.
.......– Temos algo para comer? – perguntou esperançoso que algo tivesse sobrado da refeição da metade do dia.
.......– Pão, queijo e um pedaço de carne de sol – respondeu a mulher com voz baixa e rouca.
Melhor do que nada.
.......– Vou levar o que isso pagar.
.......Ele jogou o saco com as quarentas moedas de cobre em cima do balcão, onde quase não chegou a tocar. A senhora abriu o saco e por um momento Adriel achou que ela ia atirá-lo na sua cara, tamanho foi o olhar de irritação. Ela sobrepesou o saco, possivelmente não sabia contar, e disse:
.......– Isso não vai dar muita coisa.
.......– Dê apenas uma lasca de carne e complete o resto com pão e queijo.
.......Ela bufou e dirigiu-se para outro cômodo de onde voltou com a comida minutos depois.
.......Adriel colocou a lasca de carne em uma bolsa e o restante embrulhou em um trapo que usava para este fim. Quando se preparava para sair percebeu que a mulher mirou para a entrada. Hogstrom teria ficado impaciente e vindo atrás dele?
.......Fez meia volta e encontrou dois guerreiros volins entrando. Eram altos, com cabelos longos e desgrenhados. Barbas enormes. Vestiam coletes de couro pintados de negro que simbolizavam sua tribo, a mais próxima a Antredom. Uma espécie de força militar diretamente comandada pelo demônio.
.......Ambos olharam demoradamente para Adriel estudando-o enquanto caminhavam para uma das mesas próximas a uma lareira sem fogo.
.......Adriel caminhou para a saída, mas antes que pudesse cruzar a soleira encontrou-se com um bankdi. Rosto fino com uma barba curta de um dia, rosto fino e olhos negros que projetavam inteligência e agudez. Atrás dele outros dois volins.
.......– Com pressa? – perguntou o homem da Seita.
.......– Um pouco – respondeu Adriel dando um passo para trás.
.......Ricamente trajado nos moldes do povo do deserto do Oeste de Tagmar, o homem deveria ser o cobrador de imposto que o anão teria visto horas antes.
.......– Seu nome?
.......– Adriel de Mara
.......– E por que tens pressa Adriel de Mara? Quase esbarrou em mim. Meus amigos te assustam? – disse apontando para os dois primeiros volins.
.......Adriel olhou para os homens que sorriam com alguma maldade.
.......– Devo ter?
.......O bankdi riu com gosto.
.......– Falas pouco e com cuidado, Adriel – disse e em seguida, apontando para a mesa onde estava os dois volins, completou: – Venha, vou pagar-lhe uma bebida.
.......Sem poder seguir em frente, Adriel foi sentar-se a mesa.
.......– Conte o que faz para sobreviver home de Mara?
.......Adriel esperou que a mulher colocasse uma caneca com algo parecido com cerveja na frente dele e do bankdi. Foi paga com algumas moedas de prata que fez com que ela olhasse para ele. Era como se dissesse que aquilo sim tinha valor.
.......– Trabalho como guarda de caravana – respondeu finamente.
.......– Pelo visto não guardou muito bem, não tem nenhuma caravana aqui.
.......Os volins gargalharam abertamente.
.......– Deve estar em Samor, agora. Fui a Itéria resolver alguns assuntos.
.......– Ah, então você trabalha para o mestre Azenor?
.......Sem opção Adriel teve que concordar. Já havia trabalhado com Azenor e sabia que sua caravana havia partido para o Norte a poucos dias.
.......– Sim. Para ele e seu sócio.
.......Os olhos agudos do bankdi estudavam ele com atenção. Tomou um grande gole da cerveja e saboreou aquela água suja como se fosse um néctar.
.......– Você já percebeu – disse o homem que descendia daqueles que trouxeram as hordas de monstros e bárbaros para Eredra, bem como os demônios para Tagmar – que as coisas têm valores diferentes dependendo de quando são apreciadas?
Adriel não entendeu.
.......– Tome um gole – sugeriu apontando para a caneca intocada na frente dele.
.......Já havia tomando coisas bem melhores, mas o líquido não era de todo mau.
.......– O que quero dizer é que provavelmente a cerveja que você tomou em Itéria era bem melhor que esta, mas lhe deu menos prazer.
.......Verdade. A cerveja da Taverna Azul desceu com mais dificuldade, apesar de provavelmente ser melhor que aquela.
.......– O que lhe dá mais prazer na vida, Adriel de Mara? Gostas de viajar com as caravanas? Ou das aventuras nas estradas?
.......Estava preocupado com Hogstrom, mas se o anão ficou por ali deve ter visto o grupo. Era melhor responder o bankdi e terminar aquilo o quanto antes.
.......– Gosto dos lugares que as caravanas me levam. Não consigo ficar muito tempo em um só lugar.
.......– Neste mundo que vivemos, poucos conseguem conhecer tantos lugares, não é mesmo? Você julga o seu gosto simples?
.......– Sim, não conseguirei enriquecer com este serviço.
.......– Enriquecer – repetiu o homem tomando outro gole.
.......Ele fixou o olhar na sua caneca e por alguns segundos pareceu ter se esquecido de Adriel.
.......– Não lhe parece, Adriel que para quem tem pouco, pequenas coisas trazem felicidade e quem tem muito, não consegue se contentar com nada que lhe cai nas mãos?
.......O guia olhou rapidamente para o lado na esperança que algum volin interferisse na conversa, mas os quatro guerreiros estavam entretidos em uma conversa aparte.
.......– Nunca havia pensado desta maneira – respondeu. – Mas acredito que muitos gostariam de ter as posses que um bankdi rico tem. Mesmo o menos afortunado de vocês.
.......Por um momento lamentou de ter dito o que disse. O bankdi sorriu de maneira que pareceu sincera, infeliz e cansada. Foi tão breve que .......Adriel teve dúvidas depois se aquilo realmente aconteceu.
.......– Poucos seriam tão francos comigo, mercenário – disse com o sorriso enviesado de volta. – Já deve ter notado que sou um cobrador de impostos.
.......Adriel balançou a cabeça positivamente. Cobradores de imposto eram sempre bankdis ricamente trajados, mesmo viajando pelo interior. Eram acompanhados por volins da tribo preferida de Antredom.
.......– Traz algum dinheiro do mestre Azenor?
.......– Nem dele, nem meu – respondeu apressadamente e apontando para o balcão completou: – Minhas últimas moedas ficaram com ela.
.......A mulher arregalou os olhos e se encolheu.
.......– O que tem de mais valioso é este grande arco que carregas, então?
.......O guia estremeceu.
.......– Sim, ele me dá o sustento.
.......O bankdi ficou sério.
.......– Fui um bom arqueiro no passado. Disparava flechas certeiras em galope. Já fez isto?
.......– Poucas vezes. Cavalos são raros.
.......– Verdade.
.......O bankdi olhou-o por um instante sem nada dizer. Parecia longe novamente.
.......– Pode não parecer, Adriel, mas fui um bom guerreiro. Infelizmente tive que parar de lutar.
.......Adriel percebeu certa tristeza na voz.
.......– Posso tentar? – perguntou apontando para o arco preso a aljava a suas costas. – Não o tomarei, quero só ver se continuo bom.
.......Sem poder negar, ele retirou o arco comprido e entregou para o bankdi.
.......– Meu nome é Idraim. Pode me chamar assim.
.......Ele pegou a arma com certa solenidade. Avaliou o desenho simples dela e aprovou sua robustez, força e acabamento das amarras. Sobrepesou com cuidado.
.......– Vamos lá fora.
.......Levantou-se com agilidade e Adriel teve que apurar para alcança-lo. Os volins agitaram-se atrás deles, sem largarem suas canecas, seguindo-os. Não queriam perder nem o líquido, nem o que seu chefe iria fazer. Lá fora encontrou mais dois volins, uma carroça pequena puxada por dois cavalos baios e três homens acorrentados a ela.
.......Idraim segurava o arco de Adriel e olhava em volta buscando algo. Por fim pareceu se decidir e caminhou a passos largos para o outro lado do caminho. Adriel pressentiu que ele queria sua presença e o acompanhou de perto.
.......– Uma flecha – solicitou o bankdi.
.......Ela foi disparada contra a parede da taverna acertando o meio de uma tábua. Dado a distância era um ótimo disparo se a intenção era acertar ela.
.......– Consegue acertar a mesma tábua, mercenário? – perguntou oferecendo o arco para Adriel.
.......O guia armou o arco, concentrou-se e fez com que a fecha fizesse um pequeno arco e prendesse na tábua menos de um palmo da primeira.
.......– Bom disparo, vamos dificultar as coisas para nós.
.......O bankdi foi até a carroça e deu alguma ordem para um dos volins. Este último foi até um dos prisioneiros e soltou-o da carroça. Levou o homem magro e alto até próximo das flechas que arrancou com dificuldade das tábuas. O infeliz prisioneiro logo se apercebeu do que poderia acontecer e fez menção de fugir. Dois volins agarraram o homem e esticaram lateralmente os braços.
.......– O jogo é o seguinte – explicou o bankdi que havia voltado para perto de Adriel, – temos que atirar o mais próximo possível daquele indivíduo. O primeiro que tirar sangue dele perde.
.......– Não participarei desta brincadeira.
Idraim tomou o arco e armou com uma flecha das flechas recuperadas.
.......– Não confia nas suas habilidades, mercenário?
.......Ele não respondeu, mas estava decidido a não tomar parte daquilo. A flecha partiu num tiro muito reto, como o anterior e atingiu a tábua a menos de meio palmo de distância do pescoço do homem que urinou descontroladamente. Um dos volins que segurava o prisioneiro gargalhou. Todavia o que intrigou Adriel foi o gemido que o bankdi tentou segurar assim que puxou a corda.
.......O arco foi oferecido a ele em seguida. Ficou em dúvida se tomava das mãos do bankdi ou se deixava para trás para não deixar dúvidas de sua decisão.
.......– Sua vez, mercenário. Tens habilidade o suficiente para me desafiar sem matar o camponês.
.......Adriel olhou decidido e não se movimentou.
.......– Sei que mentiu, arqueiro. Não trabalhas para Azenor, pelo menos este ano.
.......Ele podia estar jogando, mas como saber?
.......– Farei o seguinte, se eu vencer, ficarei com seu arco, se você me vencer, fica com o arco. Em ambos os casos poderá partir. O que achas?
.......Não era boa ideia discutir com os aliados dos demônios, ainda mais se ele soubesse realmente que ele não estava trabalhando para o Mestre Azenor.
.......Adriel tomou o arco, puxou uma das flechas de sua aljava e disparou. Não confiava nos volins, mas não podia mirar muito longe para não irritar o bankdi. Em todo o caso já aceitara a perda do arco. Sua flecha ficou um pouco mais que meio palmo do ombro esquerdo do desesperado prisioneiro.
.......– Você é um bom arqueiro, mercenário, mas não parece páreo para um bankdi, muito menos para Idraim.
.......O invasor puxou a corda, gemeu e vacilou. Baixou o arco.
.......– Certa vez fui ferido no braço – explicou.
.......Em seguida, puxou a corda com força, gritou e soltou. A flecha atingiu a taboa três palmos acima da cabeça do homem. Os dois volins que o seguravam trocaram olhares preocupados.
.......Adriel fez um disparo seguro. Seu projétil fixou-se acima da cabeça do prisioneiro há um palmo de distância. Agora já tinha esperanças de salvar o seu arco se o bankdi honrasse sua palavra.
.......Sem dizer nada, mas mostrando profunda irritação o bankdi tomou o arco e pediu uma flecha. Seu braço esquerdo tremia e ele tentou por três vezes fazer um disparo firme, porém foi obrigado a desistir. Por fim, em um acesso de raiva puxou com força, gritou de dor e disparou. Imediatamente caiu no chão de joelhos exausto. Seu rosto estava encharcado de lágrimas. O arco caiu de sua mão esquerda que tremia.
.......O s volins tinham soltado os braços do cativo que permanecia encostado na parede da taverna, agora preso a ela por uma flecha que atravessara seu pescoço. O sangue vertia e as mãos que tentavam estancá-lo perderam a força e caíram quando ele finalmente morreu.
.......Alguns volins recuperaram-se do choque rapidamente e correram para dominar Adriel.

* * *
Claudiney Martins

Colaborador de Tagmar desde 2005
Escritor da Série Nova Odisseia Humana (FC)
https://novaodisseia.wixsite.com/humana
Usuários visualizando este tópico
Guest

LGPD (Lei Geral de Proteção a Dados): o site do Tagmar usa a tecnologia de cookies para seu sistema interno de login e para gerar estatísticas de acesso. O Tagmar respeita a privacidade de cada um e nenhuma informação pessoal é armazenada nos cookies. Ao continuar a navegar pelo site você estará concordando com o uso de cookies.