Finalmente o 4º capítulo. O 5º está prontinho, só faltando a revisão. Neste voltamos a visitar a dupla Hogstrom e Adriel, desta vez pelo ponto de vista do rastreador. Quem preferir ler em PDF, mande uma mensagem em PVT que envio o arquivo. O pdf permite diagramação mais confortável para leitura.
4. Adriel
.......– Trinta e sete, trinta e oito, trinta e nove...
.......– Contando de novo?
.......Adriel olhou para seu interlocutor admirado. Claro que estava contando novamente. O dinheiro era dele! O que o anão esperava? Além do mais, ainda se espantava, e de quebra se irritava com a manobra dele para fazer com que Adriel o seguisse.
Jogar um saco de dinheiro para ele na frente de todo mundo foi uma estratégia suja. Queria que o matassem? Era óbvio que não teria uma noite de descanso em Itéria se ficasse por lá. Seria surpreendente se sobrevivesse a primeira virada de dia.
.......– Muito mais interessante que ficar se jogando na grota cada vez que alguém se aproxima.
.......– Fale baixo! Eles estão próximos ainda.
.......– Quem eram? Volins novamente?
.......O anão desceu a encosta que acabava em um rio estreito e pedregoso, aproximando-se.
.......– Volins – respondeu com um sussurro. Passou a mão pelas largas sobrancelhas ruivas e apertou o enorme nariz. Sentou-se em seguida em uma pedra.
.......Hogstrom estava muito cansado. Os dois haviam caminhado a noite toda e metade daquele dia pela estrada lamacenta. Tinham acabado de entrar em um estreitamento do vale que os levara a Samor. A estrada serpenteava pelo flanco rochoso, coberto de vegetação e os levaria para bem próximo da cidade.
.......Todavia, o cansaço do anão era maior que o causado por uma noite de sono perdida. Adriel tinha experiência suficiente para saber.
.......– Vamos descansar um pouco aqui?
.......– Não! Precisamos chegar a Samor o quanto antes.
.......– Estou faminto – reclamou.
.......Realmente, Adriel não mentia. Seu corpanzil exigia um suprimento constante de alimentos e a falta dele o deixava terrivelmente mal-humorado. Logo ele estaria competindo com o anão para ver quem era o mais ranzinza.
.......– No meio da tarde chegaremos em uma venda de beira de estrada. Você pode usar seu dinheiro para comprar algo para nós.
.......– Você está brincando! Me deu quarenta moedas de cobre, que só fazem volume e ainda quer que eu pague seu almoço?
.......– Isso é tudo o que temos para a viagem até Samor. Economize!
.......Economizar? O anão era muito abusado. Adriel teve que levantar-se rapidamente, pois Hogstrom já subia a encosta para alcançar a estrada. Correu e alcançou-o adaptando seu ritmo a passada rápida e decidida do companheiro de viagem.
.......– Eram os mesmos volins da manhã? Uma patrulha novamente? Será que procuram algo? Ou alguém?
.......O anão olhou-o com a fisionomia nada amigável.
.......– Desta vez eram volins escoltando um bankdi. Provavelmente um cobrador de impostos.
.......– Antredom poderia levá-los para o inferno dele...
.......O anão bufou nervosamente. Ele tinha alguns segredos. Adriel fora contratado para levar duas pessoas para o norte, pois fazia este percurso quatro ou cinco vezes por ano. Levava pessoas ou mercadorias por caminhos menos vigiados e ganhava relativamente bem por isso, mas o preço que ele estava cobrando desta vez era extremamente alto, e como o pagamento foi prometido, a missão devia ser muito arriscada.
.......Até agora, entretanto, Hogstrom não dera qualquer dica do que podia ser.
Chegaram em uma taverna na metade da tarde como o anão previra. Adriel queria logo entrar e comprar algo para comer, mas seu companheiro de viagem fez com que esperasse para que tivessem certeza que o estabelecimento de beira de estrada estava vazio. Finalmente foi liberado para entrar.
.......Uma senhora de idade avançada atendeu-o bastante desconfiada. Pequena, quase se escondia atrás do balcão. Todavia, o tamanho de Adriel não a intimidava. Seu olhar era firme e enviesado.
.......– Temos algo para comer? – perguntou esperançoso que algo tivesse sobrado da refeição da metade do dia.
.......– Pão, queijo e um pedaço de carne de sol – respondeu a mulher com voz baixa e rouca.
Melhor do que nada.
.......– Vou levar o que isso pagar.
.......Ele jogou o saco com as quarentas moedas de cobre em cima do balcão, onde quase não chegou a tocar. A senhora abriu o saco e por um momento Adriel achou que ela ia atirá-lo na sua cara, tamanho foi o olhar de irritação. Ela sobrepesou o saco, possivelmente não sabia contar, e disse:
.......– Isso não vai dar muita coisa.
.......– Dê apenas uma lasca de carne e complete o resto com pão e queijo.
.......Ela bufou e dirigiu-se para outro cômodo de onde voltou com a comida minutos depois.
.......Adriel colocou a lasca de carne em uma bolsa e o restante embrulhou em um trapo que usava para este fim. Quando se preparava para sair percebeu que a mulher mirou para a entrada. Hogstrom teria ficado impaciente e vindo atrás dele?
.......Fez meia volta e encontrou dois guerreiros volins entrando. Eram altos, com cabelos longos e desgrenhados. Barbas enormes. Vestiam coletes de couro pintados de negro que simbolizavam sua tribo, a mais próxima a Antredom. Uma espécie de força militar diretamente comandada pelo demônio.
.......Ambos olharam demoradamente para Adriel estudando-o enquanto caminhavam para uma das mesas próximas a uma lareira sem fogo.
.......Adriel caminhou para a saída, mas antes que pudesse cruzar a soleira encontrou-se com um bankdi. Rosto fino com uma barba curta de um dia, rosto fino e olhos negros que projetavam inteligência e agudez. Atrás dele outros dois volins.
.......– Com pressa? – perguntou o homem da Seita.
.......– Um pouco – respondeu Adriel dando um passo para trás.
.......Ricamente trajado nos moldes do povo do deserto do Oeste de Tagmar, o homem deveria ser o cobrador de imposto que o anão teria visto horas antes.
.......– Seu nome?
.......– Adriel de Mara
.......– E por que tens pressa Adriel de Mara? Quase esbarrou em mim. Meus amigos te assustam? – disse apontando para os dois primeiros volins.
.......Adriel olhou para os homens que sorriam com alguma maldade.
.......– Devo ter?
.......O bankdi riu com gosto.
.......– Falas pouco e com cuidado, Adriel – disse e em seguida, apontando para a mesa onde estava os dois volins, completou: – Venha, vou pagar-lhe uma bebida.
.......Sem poder seguir em frente, Adriel foi sentar-se a mesa.
.......– Conte o que faz para sobreviver home de Mara?
.......Adriel esperou que a mulher colocasse uma caneca com algo parecido com cerveja na frente dele e do bankdi. Foi paga com algumas moedas de prata que fez com que ela olhasse para ele. Era como se dissesse que aquilo sim tinha valor.
.......– Trabalho como guarda de caravana – respondeu finamente.
.......– Pelo visto não guardou muito bem, não tem nenhuma caravana aqui.
.......Os volins gargalharam abertamente.
.......– Deve estar em Samor, agora. Fui a Itéria resolver alguns assuntos.
.......– Ah, então você trabalha para o mestre Azenor?
.......Sem opção Adriel teve que concordar. Já havia trabalhado com Azenor e sabia que sua caravana havia partido para o Norte a poucos dias.
.......– Sim. Para ele e seu sócio.
.......Os olhos agudos do bankdi estudavam ele com atenção. Tomou um grande gole da cerveja e saboreou aquela água suja como se fosse um néctar.
.......– Você já percebeu – disse o homem que descendia daqueles que trouxeram as hordas de monstros e bárbaros para Eredra, bem como os demônios para Tagmar – que as coisas têm valores diferentes dependendo de quando são apreciadas?
Adriel não entendeu.
.......– Tome um gole – sugeriu apontando para a caneca intocada na frente dele.
.......Já havia tomando coisas bem melhores, mas o líquido não era de todo mau.
.......– O que quero dizer é que provavelmente a cerveja que você tomou em Itéria era bem melhor que esta, mas lhe deu menos prazer.
.......Verdade. A cerveja da Taverna Azul desceu com mais dificuldade, apesar de provavelmente ser melhor que aquela.
.......– O que lhe dá mais prazer na vida, Adriel de Mara? Gostas de viajar com as caravanas? Ou das aventuras nas estradas?
.......Estava preocupado com Hogstrom, mas se o anão ficou por ali deve ter visto o grupo. Era melhor responder o bankdi e terminar aquilo o quanto antes.
.......– Gosto dos lugares que as caravanas me levam. Não consigo ficar muito tempo em um só lugar.
.......– Neste mundo que vivemos, poucos conseguem conhecer tantos lugares, não é mesmo? Você julga o seu gosto simples?
.......– Sim, não conseguirei enriquecer com este serviço.
.......– Enriquecer – repetiu o homem tomando outro gole.
.......Ele fixou o olhar na sua caneca e por alguns segundos pareceu ter se esquecido de Adriel.
.......– Não lhe parece, Adriel que para quem tem pouco, pequenas coisas trazem felicidade e quem tem muito, não consegue se contentar com nada que lhe cai nas mãos?
.......O guia olhou rapidamente para o lado na esperança que algum volin interferisse na conversa, mas os quatro guerreiros estavam entretidos em uma conversa aparte.
.......– Nunca havia pensado desta maneira – respondeu. – Mas acredito que muitos gostariam de ter as posses que um bankdi rico tem. Mesmo o menos afortunado de vocês.
.......Por um momento lamentou de ter dito o que disse. O bankdi sorriu de maneira que pareceu sincera, infeliz e cansada. Foi tão breve que .......Adriel teve dúvidas depois se aquilo realmente aconteceu.
.......– Poucos seriam tão francos comigo, mercenário – disse com o sorriso enviesado de volta. – Já deve ter notado que sou um cobrador de impostos.
.......Adriel balançou a cabeça positivamente. Cobradores de imposto eram sempre bankdis ricamente trajados, mesmo viajando pelo interior. Eram acompanhados por volins da tribo preferida de Antredom.
.......– Traz algum dinheiro do mestre Azenor?
.......– Nem dele, nem meu – respondeu apressadamente e apontando para o balcão completou: – Minhas últimas moedas ficaram com ela.
.......A mulher arregalou os olhos e se encolheu.
.......– O que tem de mais valioso é este grande arco que carregas, então?
.......O guia estremeceu.
.......– Sim, ele me dá o sustento.
.......O bankdi ficou sério.
.......– Fui um bom arqueiro no passado. Disparava flechas certeiras em galope. Já fez isto?
.......– Poucas vezes. Cavalos são raros.
.......– Verdade.
.......O bankdi olhou-o por um instante sem nada dizer. Parecia longe novamente.
.......– Pode não parecer, Adriel, mas fui um bom guerreiro. Infelizmente tive que parar de lutar.
.......Adriel percebeu certa tristeza na voz.
.......– Posso tentar? – perguntou apontando para o arco preso a aljava a suas costas. – Não o tomarei, quero só ver se continuo bom.
.......Sem poder negar, ele retirou o arco comprido e entregou para o bankdi.
.......– Meu nome é Idraim. Pode me chamar assim.
.......Ele pegou a arma com certa solenidade. Avaliou o desenho simples dela e aprovou sua robustez, força e acabamento das amarras. Sobrepesou com cuidado.
.......– Vamos lá fora.
.......Levantou-se com agilidade e Adriel teve que apurar para alcança-lo. Os volins agitaram-se atrás deles, sem largarem suas canecas, seguindo-os. Não queriam perder nem o líquido, nem o que seu chefe iria fazer. Lá fora encontrou mais dois volins, uma carroça pequena puxada por dois cavalos baios e três homens acorrentados a ela.
.......Idraim segurava o arco de Adriel e olhava em volta buscando algo. Por fim pareceu se decidir e caminhou a passos largos para o outro lado do caminho. Adriel pressentiu que ele queria sua presença e o acompanhou de perto.
.......– Uma flecha – solicitou o bankdi.
.......Ela foi disparada contra a parede da taverna acertando o meio de uma tábua. Dado a distância era um ótimo disparo se a intenção era acertar ela.
.......– Consegue acertar a mesma tábua, mercenário? – perguntou oferecendo o arco para Adriel.
.......O guia armou o arco, concentrou-se e fez com que a fecha fizesse um pequeno arco e prendesse na tábua menos de um palmo da primeira.
.......– Bom disparo, vamos dificultar as coisas para nós.
.......O bankdi foi até a carroça e deu alguma ordem para um dos volins. Este último foi até um dos prisioneiros e soltou-o da carroça. Levou o homem magro e alto até próximo das flechas que arrancou com dificuldade das tábuas. O infeliz prisioneiro logo se apercebeu do que poderia acontecer e fez menção de fugir. Dois volins agarraram o homem e esticaram lateralmente os braços.
.......– O jogo é o seguinte – explicou o bankdi que havia voltado para perto de Adriel, – temos que atirar o mais próximo possível daquele indivíduo. O primeiro que tirar sangue dele perde.
.......– Não participarei desta brincadeira.
Idraim tomou o arco e armou com uma flecha das flechas recuperadas.
.......– Não confia nas suas habilidades, mercenário?
.......Ele não respondeu, mas estava decidido a não tomar parte daquilo. A flecha partiu num tiro muito reto, como o anterior e atingiu a tábua a menos de meio palmo de distância do pescoço do homem que urinou descontroladamente. Um dos volins que segurava o prisioneiro gargalhou. Todavia o que intrigou Adriel foi o gemido que o bankdi tentou segurar assim que puxou a corda.
.......O arco foi oferecido a ele em seguida. Ficou em dúvida se tomava das mãos do bankdi ou se deixava para trás para não deixar dúvidas de sua decisão.
.......– Sua vez, mercenário. Tens habilidade o suficiente para me desafiar sem matar o camponês.
.......Adriel olhou decidido e não se movimentou.
.......– Sei que mentiu, arqueiro. Não trabalhas para Azenor, pelo menos este ano.
.......Ele podia estar jogando, mas como saber?
.......– Farei o seguinte, se eu vencer, ficarei com seu arco, se você me vencer, fica com o arco. Em ambos os casos poderá partir. O que achas?
.......Não era boa ideia discutir com os aliados dos demônios, ainda mais se ele soubesse realmente que ele não estava trabalhando para o Mestre Azenor.
.......Adriel tomou o arco, puxou uma das flechas de sua aljava e disparou. Não confiava nos volins, mas não podia mirar muito longe para não irritar o bankdi. Em todo o caso já aceitara a perda do arco. Sua flecha ficou um pouco mais que meio palmo do ombro esquerdo do desesperado prisioneiro.
.......– Você é um bom arqueiro, mercenário, mas não parece páreo para um bankdi, muito menos para Idraim.
.......O invasor puxou a corda, gemeu e vacilou. Baixou o arco.
.......– Certa vez fui ferido no braço – explicou.
.......Em seguida, puxou a corda com força, gritou e soltou. A flecha atingiu a taboa três palmos acima da cabeça do homem. Os dois volins que o seguravam trocaram olhares preocupados.
.......Adriel fez um disparo seguro. Seu projétil fixou-se acima da cabeça do prisioneiro há um palmo de distância. Agora já tinha esperanças de salvar o seu arco se o bankdi honrasse sua palavra.
.......Sem dizer nada, mas mostrando profunda irritação o bankdi tomou o arco e pediu uma flecha. Seu braço esquerdo tremia e ele tentou por três vezes fazer um disparo firme, porém foi obrigado a desistir. Por fim, em um acesso de raiva puxou com força, gritou de dor e disparou. Imediatamente caiu no chão de joelhos exausto. Seu rosto estava encharcado de lágrimas. O arco caiu de sua mão esquerda que tremia.
.......O s volins tinham soltado os braços do cativo que permanecia encostado na parede da taverna, agora preso a ela por uma flecha que atravessara seu pescoço. O sangue vertia e as mãos que tentavam estancá-lo perderam a força e caíram quando ele finalmente morreu.
.......Alguns volins recuperaram-se do choque rapidamente e correram para dominar Adriel.
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Claudiney Martins
Colaborador de Tagmar desde 2005
Escritor da Série Nova Odisseia Humana (FC)
https://novaodisseia.wixsite.com/humana