Infelizmente, Turak acordou mais uma vez de sobressalto à noite. A vela de sua cabeceira vibrou levemente com o seu movimento. Meneou a cabeça e notou que a imagem do sonho ainda estava vívida em sua mente.
Sonhara estar correndo como um lobo entre as árvores da floresta local. Livre como nunca estivera e imbuído da necessidade selvagem de caçar.
Como se aquele sonho pudesse ter sido real, tentou massagear os braços doloridos, mas, ao esfregar as mãos, sentiu-as molhadas e pegajosas.
A luminosidade, apesar de fraca, permitiu ver claramente a coloração vermelha que as cobria e o cheiro confirmou o que sua mente negava aceitar: suas mãos estavam cobertas de sangue.
O susto o fez pular imediatamente da cama e logo sentiu uma presença sombria caminhando nos cantos do quarto. Parecia ser um animal selvagem à espreita para dar o bote.
Lentamente afastou-se, tateando em busca da esposa, que se deitara ao seu lado. Ao tocar na pele dela, percebeu-a fria. Um olhar rápido o levou a soltar um grito de desespero.
Sua amada esposa estava com a garganta dilacerada e a face do horror estampada em seu rosto. A boca aberta parecia lançar um grito que nunca viria e os olhos fixos estavam direcionados para frente como se encarassem Turak.
A fera parecia estar nas sombras e o medo percorreu ainda mais forte o coração e a mente daquele homem, mas seus pensamentos se direcionaram para suas amadas filhas. As lindas gêmeas de cinco anos que eram seu orgulho e motivação para viver.
Pegou a vela e pulou nas sombras. Foi em direção à porta e a abriu. Correu mais que o próprio vento até o quarto das crianças. Sentia a criatura às suas costas, muito perto de alcançá-lo, quando adentrou no quarto fechou a porta tão rápida e violentamente quanto pode. O coração parecia querer sair pelo peito, o cheiro do sangue o acompanhava. Lutou para não desmaiar e chegou cambaleando à cama das filhas. Ao tocar seus corpos sentiu o mesmo frio mortal que havia em sua esposa e seu espírito encheu-se de desespero.
A presença da fera agora estava no quarto e com a leve luz da vela pode ver os olhos malignos fitando-o do escuro.
O medo e o desespero deram lugar à dor da perda e à raiva. Tomado pela ira, jogou a vela em direção aos olhos da fera. Ela atingiu o alvo entre os olhos e caiu no chão, inofensiva. Ainda estava acessa e enquanto rolava de um lado a outro, ele pôde ver que seu alvo era, na realidade um pequeno espelho de sua filha.
Olhou cuidadosamente para suas mãos, percebeu, então, garras e o corpo tomado de pelos. Aproximou-se lentamente da vela e segurou o espelho tentando refletir o próprio rosto. Viu a imagem de uma fera suja de sangue. O desespero tomou seu ser e ele lançou um uivo agonizante que preencheu a noite.
Extraído do "O Livro de Maudi", do capítulo “A Natureza bestial de Mocna”, Biblioteca de Saravossa.
Apesar de sua selvageria e dos frequentes acessos de fúria, Mocna possui grande inteligência e sagacidade. Por meio da força selvagem que possui, ele concede a seus adoradores o poder e a agressividade necessários para derrotar qualquer inimigo em combate.
Com astúcia, aprendeu que a forma para trazer os Filhos dos deuses para seu controle e torná-los criaturas sem racionalidade era conceder-lhes o dom da fúria selvagem, transformá-los em animais agressivos uns com os outros, banhados em ira.
Quando invocado pelos hereges, questioná-lo ou contrariá-lo é um convite certo para uma morte cruel e agonizante, pois Mocna jamais contém sua agressividade e brutalidade na presença de seres inferiores.
Conhecido entre os outros Príncipes por seu temperamento agressivo, não é raro que Mocna tenha verdadeiras explosões de raiva quando desafiado ou frustrado. Nesses rompantes, qualquer um à sua volta pode ser alvo da sua fúria. Vários Haalim já foram destruídos por seu mestre nestes acessos de fúria. Para esse príncipe infernal, a bestialidade é uma fonte de grande poder. Ela assume o controle dos seus escravos e infecta suas almas dotando-os com determinação e força e, assim, acaba por conduzir os Filhos dos deuses para seus domínios.
Foram criados a partir do aprisionamento da alma de Tessaldarianos. Estes são amaldiçoados a viver eternamente sob a ira. No plano infernal, os Haalins têm a forma de grandes sombras vivas de licantropos.
Haalins só podem se manifestar no mundo físico através da possessão.
Em áreas mais rurais e com menos acesso à informação, onde as superstições têm um incrível poder, Mocna é confundido com o lado sombrio de Crezir. Os sacerdotes dessa deusa têm intensificado suas ações para desmitificar tal fato e mostrar que Crezir em nada se assemelha a Mocna. Mas o trabalho tem sido árduo e pouco frutífero.
Nesses locais as peles dos animais sacrificados ou dos Filhos dos deuses são curtidas, penduradas e expostas como enfeites cerimoniais.
Outra característica comum aos locais de culto a Mocna é o solo coberto com areia especialmente trabalhada. Na presença dessa terra, o solo torna-se profano para os servos do príncipe bestial.
Muitos dos invocadores e dos sacerdotes carregam consigo pedaços de peles ou troféus de antigas oferendas a Mocna. Esse costume pode servir para identificá-los. Colares e outros adornos feitos com presas também são apreciados
Muitas Arenas agora são locais subterrâneos, escondidos de toda a população e esquecidos pelos mais novos.
A arena mais importante é a de Haalbam. Muito usada durante a dominação Bankdi na região, ela foi palco de combates selvagens para diversão da população sob o domínio da magia Bankdi.
Por meio desse item, os integrantes da ordem podem comunicar-se mentalmente com outros membros que conheçam. Além disso, podem emitir um chamado telepático para os membros mais próximos que se encontrem em um raio de quatro quilômetros. Responder ou não ao chamado fica à cargo de cada um. Aquele que recebe o chamado tem uma impressão que identifica a sua natureza. Pedido de socorro, convocação solene etc.
Areia Profana: usada nos rituais principais da ordem e portadas somente pelos altos sacerdotes Bankdis de Mocna. Este poderoso artefato permite não somente invocar instantaneamente até quatro Haalins por dia, mas também garante aos demonistas da ordem um local onde podem recuperar mais facilmente seus poderes.
A areia deve ser despejada sobre a terra e formar um perímetro circular. O interior desta área será coberto com a magia de Mocna, tornando-se solo profano.
Esses arbustos são mais que simples árvores retorcidas. Essa vegetação incomum se alimenta da energia violenta liberada pelos condenados. Seus finos galhos são cheios de espinhos que se projetam para o alto como lanças em riste. Quando um condenado se aproxima demais, ele é aprisionado pelos galhos. A partir daí a vítima será chicoteada por horas a fio, dessa forma a planta poderá sorver todo o ódio que for extravasado pelo condenado.
A cidade de Mocna fica no centro deste deserto. Limitada por uma grande muralha feita de pedras. No seu interior vê-se o palácio de Mocna, uma imensa torre negra, adornada com gárgulas e estátuas de feras.
No planalto árido, incontáveis condenados correm desesperados, condenados a viver lutando entre si, tomados por uma selvageria bestial.
Para chegar a Haafel é preciso cruzar o planalto e confrontar os irados ou ser convidado para acompanhar o comboio de Nenrode, o mais forte dos Haalins. O comboio atravessa o planalto dos irados a cada treze luas.
Entre a grande muralha e os planaltos existe um grande fosso que cerca toda a cidade. O único caminho para entrar surge com a descida da ponte levadiça somente assim pode-se ter acesso ao interior das muralhas.
A cidade é composta por centenas de ruínas. Grande parte dessas edificações é feita com pedras, mas cabanas de madeira e argila também são comuns. É um cenário desolador. Os condenados que vivem em seu interior se dividem em milhares de grupos que correm e caçam uns aos outros como uma grande guerrilha.
A única estrutura que se encontra de pé é a Torre de Mocna. Dentro de suas paredes vivem os Haalins. Estes guardiões andam dentro da torre servindo Mocna, seja controlando seus escravos ou trazendo suas “refeições” ou, ainda, auxiliando nos planos para trazer novos condenados a este reino.
O interior do castelo é bastante amplo e feito em pedras, com grandes colunas com mais de 20 metros de altura. Nas paredes partes de condenados, geralmente as cabeças, são exibidas como troféus de antigas caçadas, assim com a “pele” dos Filhos dos deuses, usadas como tapetes ou forro de grandes cadeiras ou do trono de Mocna.
Entre os grandes guerreiros locais estava Nenrode, considerado por muitos como um herói de guerra. Foi graças a seus feitos de extrema bravura que grandes vitórias foram conseguidas e o inimigo foi expulso de suas terras.
Os meses de paz se transformaram em anos e, pouco a pouco, a vida retomou seu caminho. Porém, a marca da guerra feriu a alma daquele nobre guerreiro. A violência, que antes era parte de seu dia a dia, tornou-se também parte de sua alma.
A insatisfação e a amargura tomaram conta de seu ser e, buscando “aventura”, Nenrode partiu de seu reino. A cada luta sua selvageria aumentava, até ele não ser capaz de viver em grupo. Nenrode partiu mais para o Oeste em busca das Planícies Vermelhas, onde poderia dar vazão ao fogo que queimava sua alma e encontrar seu destino.
Enfim, Nenrode deparou-se com o próprio Mocna. Ele aguardava o famoso herói em um local ritualisticamente preparado. Havia visível prazer nos olhos de ambos. O guerreiro, então, percebera que o fogo que o consumia constantemente também o atraía para dentro daquele local.
A criatura demoníaca, com voz guturalmente rouca, disse:
- Venha, Nenrode! Entregue-me sua alma!
- Ela será sua, - rosnou ferozmente - se você me derrotar.
Assim, Nenrode encontrou, numa renhida luta, seu destino.