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CAPÍTULO 4 .

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Uma construção fora do Castelo exaltava o divino. O Templo de Selimom, este especialmente para a família real, encontrava-se cheio durante os últimos dias. Servos e sacerdotes chocavam-se nos corredores trazendo incenso e cantando orações, rogando que o erro do destino fosse consertado e que, o único filho de Jorge II, Cresuel, voltasse ao mundo dos vivos.

O salão era quadrado, perfeitamente métrico com estátuas de grandes heróis ou performances de Selimom. Velas ocupavam qualquer cantinho que estivesse disponível. A luz recuava a escuridão, tornando o aposento um céu salpicado por centenas de pontos brandos que aos poucos se apagavam.

Os joelhos, já doloridos pela posição, tocavam o chão de pedra úmido. O príncipe Jorge II estava ajoelhado havia horas, sem comer, sem beber, sem notar o que se passava. Os olhos já não mais expeliam água, pois sua fonte secara. Os sacerdotes que se encontravam ali, homens cultos e de poder divino, não encontravam um meio de aplacar a dor do príncipe que logo em breve tornar-se-ia rei. O pensamento de Jorge II estava longe enquanto vozes murmuravam orações. A dor cegara seus instintos e não havia mais mundo ao redor, apenas uma dor alucinante, que aumentava quando este olhava o corpo estendido de Cresuel sobre camadas de palhas-de-fogo.

Cresuel, único filho de Jorge II com sua esposa Elira, o homem que herdaria o reino e o nome Jorge III quando seu pai não mais estivesse entre eles, sucumbira tragicamente, vitima de uma batalha desonrada.

A história que Jorge II soube levantou júbilos ao nome de seu filho.

Tilosos, um homem cuja bravura e inteligência concebera a nomeação de comandante havia recebido a honra de servir o príncipe Cresuel em uma batalha, para levantar seu nome, fazer com que bardos promovam lendas e brindes sejam dados em sua homenagem. A história que narrou descreve um Cresuel de grande bravura e honra. Mas o que ouve não foi assim. Tilosos não podia contar a verdade ao seu amado rei, cuja vida estava esvaindo-se. Reunindo os últimos homens que restaram de sua empreitada, obrigo-os a prestar o juramento de soldado, que garantia o voto de silêncio até suas mortes. Não era de sua intenção que o rei Jorge I soubesse da morte trágica e violenta do neto.

Pois a verdade sob a morte de Cresuel, a que não mais de meia dúzia de soldados recaia, sob o voto de silêncio, era esta.



Os orcos, criaturas cujo mal era vencido apenas pela escarnecida face, invadiram um vilarejo e mataram todos que encontraram. Em uma tentativa de salvar a vida de sua filha, uma menina de oito verões, um camponês colocou-a em uma precária canoa e lançou-a no rio próximo ao vilarejo. A pobre menina ainda escutou os gritos de seu pai e viu o céu, acima de sua cabeça, ser riscado por flechas incendiárias, mas tendo a sorte de nem uma atingir sua embarcação. Quando passava próxima a vila de Regai, cerca de 20 quilômetros rio abaixo, a menina foi socorrida por pescadores e relatou o ocorrido. Rapidamente os moradores informaram a guarda e esta pediu ajuda ao rei Jorge I. Este cedeu e enviou seu neto, Cresuel, para combater esses seres.

Cresuel partiu com 25 bons soldados e os conselhos de um sorridente comandante Tilosos. Havia cerca de meia milha a ser percorrida e estes foram rápidos como o vento do norte. Cavalgaram por um dia e por fim chegaram ao local. O vilarejo de pescadores estava arrasado. A fumaça escurecia o céu de meio-dia e o cheiro de carne queimada assolava as narinas dos soldados. Vasculhando o local, não encontraram nada além de corpos mutilados ou calcinados. Casas destruídas, barcos arruinados e todo um campo manchado com sangue. Inconformado por não encontrar os orcos, Cresuel ordenou que batedores vasculhassem os arredores. Tilosos, vendo tal destruição, ressaltava seus instintos de guerreiro.

— Meu príncipe, se orcos fizeram tal destruição, não podemos enfrentá-los! Algo está errado aqui. Sabia Tilosos que o jovem príncipe queria esta batalha e seus conselhos de nada serviriam, mas a vida de seus soldados e a sua própria estava em risco.

— Bobagem Tilosos. Você só está com vontade de ir para o Castelo desfrutar do vinho. Respondeu o príncipe, terminando com uma grande gargalhada.

Quando finalmente o sol foi encoberto pelas montanhas e a luz do dia esvaiu-se em uma escuridão noturna, os batedores voltaram. Nada encontraram. Nem rastros, nem pistas. Eles desapareceram. O príncipe ordenou que acampassem ali mesmo, não dentro do vilarejo, pois a fumaça adensava uma escuridão sombria. Assim foi feito.

Tilosos não era homem de ignorar seus instintos. Se eles badalavam como sinos de uma catedral, algo estava errado. Desobedecendo a ordem de Cresuel, de que apenas dois homens ficassem de guarda durante a noite e os outros se preparassem para a cavalgada do outro dia, Tilosos ordenou que dez, dos 25 que ali estavam, protegessem a tenda do príncipe. Archotes foram montados a uma pequena distancia e os homens entraram em vigília. Um ato que salvaria mais vidas do que ele podia imaginar.

Os gritos encheram a noite silenciosa ao redor do acampamento. Vinham de todas as partes. Todos os cantos. Uma língua de selvagens criaturas. Aquela era uma noite para bardos orcos cantarem e agradecerem ao destino pela chacina. Os homens de Cresuel, soldados cuja lealdade resguardava ao rei Jorge I, viram o início do fim logo que as flechas penetraram a carne desprotegida, pois estavam sem armaduras, apenas com placas de couro reforçado o que não impediam que a ponta metálica das flechas comesse o couro e perfurasse os órgãos internos. Como foi rápido o início. Logo que os gritos acordaram os outros, dezenas de orcos já haviam caído no acampamento. Usavam lanças de guarda, longas armas de haste cujo objetivo era cortar a distância, disparavam flechas, estocavam com espadas, decepavam com machados. Carne e sangue eram derramados pela relva; o fraco brilho das estrelas sob suas cabeças.

Tilosos sabia que algo assim poderia acontecer naquela noite, mas não podia contrariar as vontades do príncipe Cresuel. Mas estava preparado. Postou-se de pé, rápido como um gato selvagem, sua espada na mão, encontrou o inimigo, apenas um vulto na escuridão, dirigindo-se para a tenda de seu imprudente senhor. Suas pernas deixaram marcas profundas enquanto corria, saltava e mergulhava a espada no corpo do orco. Foi o primeiro que viu e o primeiro que matou naquela noite. Virou-se rápido com sua espada ensopada de sangue, gritava ordens para seus homens atônitos em meio à chacina que seguia. “Homens... homens, aqui! Aqui!”. Sua voz, grave rufar de disciplina, teria que encorajar os soldados. Ainda pôde ver, logo atrás de si, quando o príncipe Cresuel saiu de sua tenda para a noite de seu fim.

— Proteja-se meu senhor... eles são muitos. Homens, o príncipe, defendam-no. Mal havia terminado de gritar quando viu a haste de uma lança de guarda raspar sua barriga. Avistou os olhos amarelados do orco e, afastando a vara da lança com a espada, atirou-se contra a criatura. O choque pegou o orco despreparado e ambos caíram, Tilosos em cima de sua próxima vitima. Lançou o cabo da espada no queixo do orco e sentiu a dureza daquela raça. Escutou gritos, rosnados, ordens brandas, agonia e caos em meio a escuridão que aplaudia os filhos da noite. A espada desceu mais uma vez e Tilosos já se levantava, deixando mais um orco morto. Imprudência sua ou plano do destino? Pensava ele. Como ratos em direção ao queijo, apenas crueldade em suas mentes, 14 orcos corriam em direção ao príncipe, cuja defesa estava nas mãos dele e de nove guardas. Reuniu toda força que pôde e esvaziou-se emitindo sua ordem, “O príncipe.. defendam-no!” sua voz ressoando através dos corpos já caídos numa batalha perdida.

Correu com uma velocidade inquestionável. Seu cabelo agitando-se na velocidade, seu rosto empapado de suor. Levou sua espada estocando pela esquerda, pela direita, seu braço já cansado do peso do metal. Chegou a tempo de ver o brilho no rosto de Cresuel. “Jovem tolo” pensou Tilosos, que participara de várias escaramuças antes e sabia que pelo número de inimigos que tinham, as chances de saírem vivos era por uma rendição.

— Formar barreira! Alinhar escudos! Todos juntos! Praguejava Tilosos, experiente em tais batalhas.

Cresuel, vendo tal horda de inimigos, em cujo momento sempre aguardou, lançou-se à frente, esperando para contar o numero de orcos que mataria.

— Não meu príncipe, permaneça atrás! Atrás de nós! Tilosos cuspiu enquanto falava, árduo pela batalha noturna em número demasiadamente inferior. Formara uma precária barreira de escudos, não com escudos de verdade cujo apenas dois homens estavam usando, e sim uma barreira de escudos humana, com dez guerreiros de força e coragem, prontos a defender seu príncipe. Juntaram-se os corpos ao redor de Cresuel e este ficou inatingível. Era o que pensava Tilosos.

Os orcos chegaram e a espera terminou. Os soldados, Tilosos berrando suas ordens e incentivos, estocavam com espadas, apenas um deles com uma lança. Os olhos de Cresuel registrando tudo, ávido por uma chance de ensangüentar sua espada. Era um jogo de vai e volta, estocando e defendendo. Cinco orcos haviam caído levando consigo preciosos dois guardas, os outros sem grandes ferimentos, apenas leves cortes em sua pele. Foi nesse momento, cujos olhos cristalinos de Cresuel fitavam os orcos, que Tilosos viu a face da morte. Parara de estocar, seus guardas continuando.

Caminhando devagar, em direção à barreira humana, um homem encapuzado, segurando um cajado, tragava a escuridão para perto de si. Suas pernas mal se moviam e seu rosto era coberto pelo pontudo capuz avermelhado, dourado nas extremidades. Os orcos avançavam. Os soldados estocavam. Tilosos sentia a respiração gutural de Cresuel e rezou a Crisagom, Deus da Bravura, que este fosse um aliado seu e não dos orcos. Não era. Viu bem quando um orco trespassou o seu caminho, caindo de joelhos logo em seguida.

O homem encapuzado continuava a caminhar. A voz de Tilosos saiu fraca e os gritos dos soldados e dos orcos quase a abafaram.

— Príncipe, seja o que acontecer, foi bom ter servido ao seu avô, gostaria de ainda servir seu pai. Talvez esse pedido fosse acatado pela vontade de seu Deus.

Tilosos Pensou nas suas últimas palavras, enquanto o homem encapuzado, cujas sombras agora o rodeavam, aproximou-se. Este, por sua vez, falou tão forte que venceu o barulho da batalha.

— Parem! Sua voz não era humana. Era gélida, forte, quase sem vibrações, uma pronúncia espectral de outro mundo. Os orcos que ali estavam, como se esperassem aquela ordem, pararam. A voz audível a todos, estremecera os soldados que também pararam. Não era um pedido, era um comando.

— Há tempos atrás, seu pai defrontou-me príncipe Cresuel. Jurei-lhe vingança e hoje cumprirei minha jura. Poupe a vida de seus soldados e entregue-se a mim. Sabia que era formalidade e que tal ato não se cumpriria. Os soldados, se leais fossem, morreriam antes de ver seu senhor agonizando diante do fim.

Antes que alguém pudesse intervir ou algo mais pudesse ser dito, um dos soldados com uma coragem superando a prudência, correu em direção ao ser encapuzado. Houve um gesto rápido de mão, e um forte deslocamento de ar e um estampido. Por fim, onde antes estava o soldado correndo, agora havia poeira e cinzas chamuscadas levadas pelo vento que soprava. Um raio havia atingido-o! Todos os presentes agora sabiam com quem estavam lidando. Os orcos aplaudiam o aliado desta noite.

Tilosos sentiu a mão de Cresuel tocar-lhe o ombro e temeu adivinhar as palavras de seu senhor. O jovem príncipe Cresuel falou, trêmulo e covarde:

— Não quero morrer. Tire-me a salvo. As palavras surpreenderam Tilosos que pensara exatamente o contrário do que disse o príncipe, poupando a vida dos homens que arriscariam as deles pela de Cresuel. Porém, o príncipe demonstrava não se importar em tais vidas, a não ser a sua. “Tolo arrogante” pensou Tilosos. Os soldados esperando.

— A vida de meu príncipe nada tem haver com sua vingança ao pai dele. Deixe-nos partir. Falou Tilosos.

— Pouparei suas vidas para que levem o que sobrar do príncipe. Assim que terminou de falar, as mãos erguidas ao alto, o cajado horizontalmente posicionado, o homem encapuzado suspirou seu encanto na noite sem fim.

Não haviam sentido tal dor antes. Cegava os olhos, contorcia os músculos, gelava os ossos, fatigava a respiração. Como uma planta tendo arrancado sua raiz, a dor penetrou-lhes fundo durante horas e horas. Os soldados, Tilosos entre eles, tombaram no chão, enquanto ouviam a ladainha do mago encapuzado. A dor continuava, mas os gritos não saiam. Eram oprimidos. Enquanto enchia os olhos de vertiginosas lágrimas, Tilosos viu o jovem príncipe carregado, paralisado, por dois orcos. Não durou mais que meros minutos. O corpo do príncipe não tinha reação. Não havia gritos ou pedidos, apenas o sofrimento crescente em seus olhos.

Os dois orcos levaram o príncipe Cresuel próximo ao mago encapuzado. Segurando-o de ambos os lados, os orcos pararam, esperando as ordens do homem que esta noite decidira a batalha com magia. As palavras daquele momento encontram-se ainda vivas na mente de Tilosos.

— Príncipe Cresuel de Dantsem, você pagará com a vida pela insolência de seu pai. Foi apenas o inicio de uma citação mortífera.

— Que as sombras envolvam-nos nesta hora e afastem a luz de seus olhos; que o fogo queime sua carne; que o ácido corra em suas veias; não enxergue, não ouça, não fale; que os demônios venham roubar sua alma e que nem em mil anos você ande por entre vivos. Só restou o silêncio.

E foi assim que Tilosos, comandante de apenas seis guardas, viu seu jovem príncipe perecer nas mãos de um mago, sendo furtado pelos demônios que sempre espreitam na escuridão. Em um sofrimento íntimo, sem expressar sua dor ou coragem, Cresuel, filho de Jorge II, pagou com uma maldição os erros passados de seu pai.

Entre os fatos ocorridos naquela noite, um outro ainda chamou atenção de Tilosos. O mago, cujas sombras ainda serpenteavam-no, cumprira não somente a jura de sua vingança, mas também a palavra de que deixaria os soldados vivos para que levassem o corpo do príncipe Cresuel ao Castelo, onde o sofrimento de seu pai seria maior. E estes o fizeram.

Mas, como o sabem apenas um grupo de seis soldados e um comandante, esta verdade nunca será contada.



Um sacerdote vestido de túnica azul, adentrara no Templo sagrado, seus passos ecoando pela perdida vastidão da solidão de seu senhor.

— Senhor príncipe, estamos preocupados com vossa saúde. Falou o sacerdote. Tentava, novamente, encorajar Jorge II a provir de uma refeição. Não ouve resposta.

— Por favor,... Pelo menos beba vinho para aquecer-lhe a garganta. Tornou a insistir.

Jorge II levantou-se, um sorriso percorreu os sacerdotes que ali estavam.

— Irei ter com meu pai. Que nem uma vela seja apagada e que ninguém entre sem minha permissão. Era uma voz calma, cheia de remorso pela perda do filho.

Os sacerdotes acolheram tal decisão.

CAPÍTULO 5

Verbetes que fazem referência

Traição e Magia, CAPÍTULO 3
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