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CAPÍTULO 7 .




A escuridão engolia toda sua visão. Relanceada, uma pequena fração da luz de uma tocha entrava na sela do calabouço. Elril parou ainda na porta, tonto com o forte odor de excrementos do lugar.

— Dei-me uma tocha, rápido. Falou Elril, sua voz clara na escuridão densa.

Recatado em um dos cantos da sela, o velho homem, cujos pensamentos voltaram a razão, observava o anjo que surgira para fazer o julgamento. Quando a porta foi aberta, não sentiu a loucura de fugir, pois sabia que não havia possibilidades de tal fato se consumar. A visão que teve foi o suficiente para arregalar-lhe os olhos. Um homem prostrou-se frente à luz fraca que vinha dos archotes. Quando, de trás, uma tocha foi-lhe entregue, Figvel viu o contorno de um anjo abrindo as portas do céu. A escuridão recuou frente à luz que jorrava de sua mão, uma roupa enfeitada de cores percorrendo o corpo alto, esbelto. Apenas tinha que esperar.

Escutou uma voz preocupada e juvenil.

— Você esta bem, senhor? Elril aproximou-se do homem, sujo e enjoado que ocupava um canto da sela. O fogo da tocha, em sua mão, iluminando o aposento não maior que quatro metros. Sentiu a pouca vitalidade do velho e erguera-o, a fim de poderem conversar. Enquanto levantava, viu as feições e quase derramou-se as lagrimas.

O cabelo e todo seu traje estavam sujos de palha e areia. Seu robe era manchando nas barras. Sua barba, cinza e longa estava entalhada com feno. Os olhos estavam quase mortos e uma pele fria aplicava-lhe agulhas geladas quando se encontravam. Esse homem sabia Elril, poderia não chegar a cruel sentença ou liberdade que o aguardava.

As mãos estavam para trás do corpo, quando o velho falou.

— Obrigado, meu caro. Fitando-o enquanto falava.

Elril viu que este estava, ainda, com as algemas, e virou-se para a porta gritando:

— Guarda, traga a chave e tire essas algemas desse homem. Talvez fosse o jeito calmo do velho ou um sexto sentido, que permitia uma certa confiança.

Houve um barulho de metal e logo em seguida um guarda, atrapalhado, entrou no aposento inundado por uma luz quente.

— Tem certeza? Ele me parece ainda perigoso. Apressou-se o guarda. Não tinha a menor idéia de correr riscos deixando um jovem sacerdote soltar esse velho cujas ordens recebida fora penetra-lhe o ventre caso tentasse escapar.

— Claro que tenho. Tire logo antes que eu me queixe com a princesa Elira. Elril usou de seu novo status para conseguir um alivio ao velho homem que teria sua vida arrancada trivialmente. O guarda, temeroso, retirou as algemas e libertou o velho Figvel, cuja ação era massagear os finos pulsos torcidos. O guarda segurou o cabo da espada e fitou o mago.

— Mago, estou cumprindo ordens... o Castelo está cheio de guardas, não tente escapar, pois.... Não prosseguiu, não tinha tanta coragem de falar agora que o mago estava sem as algemas. Sabia ele, agora, que o mago, o velho prisioneiro que tanto atormentara, poderia conjurar suas magias e fugir se quisesse, o que seria melhor. Pois o que seria pior era ele se vingar das chacotas do guarda transformando-o em alguma coisa pegajosa ou até mesmo matando-o.

— Não, meu caro soldado. Nada farei para fugir de onde estou. A dor que guardo consome mais minha energia do que essas algemas enfeitiçadas. Falou o velho Figvel.

— Traga-me dois bancos, guarda. E depois feche a porta. Selimom cuidara de nós. Elril, sem mexer a cabeça ainda fitando o velho mago, ordenou ao guarda postado quase que a ponto de desembainhar a espada e mentir aos seus superiores dizendo algo como “ele tentou fugir, por isso dei-lhe uma espadada”. Talvez por medo ou por conduta, o guarda fez o que pediram.

Pouco tempo depois, o clérigo de Selimom, Elril, encontrava-se sentado olho a olho com o mago cujo destino estava em suas mãos.

A porta fechou-se. Uma tocha iluminava a sela. O odor penetrando as entranhas.

— Então, por que não me conta do inicio! É sempre um bom começo. Disse Elril com as mãos unidas e os ouvidos atentos.

— O inicio, sacerdote, é quando Elira vem do deserto. Um leve sorriso mostrou-se na boca enrugada do mago.



***



— Tenho certeza de que verá meu filho assumir o trono, Avriom. Essa afirmativa do rei Jorge I foi dirigida aos dois homens que se encontrava nos aposentos reais.

A cama, um móvel talhado de nobre madeira, permitia afundar o homem que comandara o reino de Dantsem durante muitos anos. Os lençóis de cetim azulados caiam-lhe pelas laterais decoradas. Travesseiros macios com plumas e penas formavam uma barreira acolchoada na maleável coluna do rei. Seus olhos abertos fitando o esboçado desenho na abóbada de seu quarto.

— Tenho certeza que sim, meu rei. Foi uma voz seca, áspera, que emitiu tal resposta. Uma onda de tosse prosseguiu e foi aplacada por um gole de liquido espumante. Eram comuns essas tosse e o catarro, mas nessa manhã de primavera estava constante e mais forte que antes. Ainda podia sentir o gosto do vinho que tomara duas noites atrás comemorando uma boa noticia. Há muito tempo esperara por tal feito, e os deuses deviam ter presenteado-o quando soube que, antes de morrer, veria a dor nos olhos de um inimigo cuja espada não poderia levantar, nem cuja palavra poderia condenar. Rejeitara os avisos dos sacerdotes de que não mais tomasse vinho, pois poderia matá-lo antes do terceiro gole, porém, sua constituição era há de um guerreiro, um homem cuja raiva dosava de forças sua alma.

— É a idade... A idade meu nobre Avriom. O rei Jorge levantou o máximo que pôde a cabeça, mostrando sua careca branca e salpicadas de manchas cinzas. As rugas haviam-lhe chegado ate o cocuruto.

— Diga, esse é quem herdará seu titulo? Tentou permanecer com a cabeça levantada, mas não pôde, o pescoço não mais agüentava. Quando seus olhos viram o acompanhante de Lorde Avriom de Calinior, uma velha fagulha de maldade percorreu suas veias. Não era maldade para com os outros, mas maldade para si; era um sinal de que aquele homem tinha objetivos na vida e força na alma.

— Não... não, meu rei! Uma tosse leve, para limpar a garganta.

— Este é meu servo, Janus. Ele cuida desta carcaça nos últimos meses.

Houve uma pausa e um longo suspiro.

— Está frio hoje. Já não posso mais andar sozinho. A pouca vida que me resta, dedico a justiça de meu coração... Apoderou-se uma serie de tosse cuja violência impulsionou o velho Lorde Calinior à frente de sua cadeira com rodas, seu cobertor de pele de urso-cinza caindo. O homem, alto e forte que o acompanhava, moveu-se para massagear o peito e entrega-lhe um frasco de xarope. Assim que o cobertor de urso cobriu-lhe novamente, todo, Lorde Calinior disse:

— Vê, meu rei, Janus faz coisas que não pos... e coisas que poderia fazer. Sem tosses, dessa vez, esperou seu rei falar.

Não houve resposta. O silêncio continuou.

Lorde Calinior olhou, de baixo a cima, o rosto interrogativo de Janus, o homem que o acompanhava logo atrás de sua cadeira. Nem um dos dois falou. O silêncio continuou.

— Rei... Jorge? Perguntou, espantado, Lorde Calinior. A mão de Janus percorreu o ombro direito de Calinior, a força segurando, esperando uma ordem. O silêncio continuando sua insistência.

Mais que um sussurro, a voz do rei Jorge I, pelo menos naquele momento, mostrou-se um alivio para ambos os visitantes.

— Estou bem. Um devaneio de uma lembrança. Moveu um pouco a cabeça e viu, da cintura para cima, Lorde Calinior e o tal Janus encarando-o, aflitos.

— Ainda demorarei a morrer. Não vou deixar este mundo sem cumprir uma promessa, meu amigo. Disse rei Jorge, enfermo na cama.

— Ah... nem eu, meu amigo, nem eu. Sorriu Lorde Calinior ao dizer tais palavras. Sua mente pensando o porque da demora da amante do rei. Sim, sim. Lorde Calinior era um homem de grande esperteza e tal esperteza mantinha-o bem informado, com algum ouro saindo de seus cofres, mas valia a pena. Mantinha vários informantes em todo o reino, sempre atentos a novidades igual a que soube Três noites atrás. Como comemorou. Sabia que, nas ultimas semanas, o rei Jorge mandara que sua saúde ficasse sob a guarda de Amanda, uma velha serva de sua falecida esposa. Lorde Calinior se lembrara dessa serva e mantinha um informante dentro do Castelo, por isso sabia que ela estaria no quarto do rei. E soube da morte de Cresuel. Mas o momento não era propicio e não convinha deixar o rei Jorge preocupado com tal fofoca.

— É verdade, meu rei, que o príncipe Cresuel, morreu lutando? Segurou sua doença para que não viesse a tosse catarrenta. Gostaria que a serva voltasse logo.

— É Avriom, nada escapa de seus ouvidos. Foi o que houve. Uma luta. Muitos contra poucos e dentre os muitos havia magos demoníacos. Pelo menos uma dúzia desses malditos chacais. Uma nítida emoção nas palavras saiu do rei Jorge.

Este prosseguiu.

— Assim que Tilosos, o comandante as ordens de Cresuel, voltou trazendo seu corpo informou que não tiveram chance e que Cresuel morreu defendendo seu corpo contra um ritual arcano. Novamente ergueu a cabeça para Lorde Calinior.

— É um fim que eu não desejava para o nome Jorge. Recostou a cabeça e virou-se para a esquerda, em direção a janela aberta, cuja luz do dia banhava o chão decorado.

Nesse momento, sem anunciação, as portas foram abertas e um maltratado príncipe Jorge II entrou, riscando o chão com suas pisadas fortes. Amanda, a serva amante do rei moribundo, logo em seguida.

— Hora, o que fazes aqui, Lorde Avriom? Perguntou Jorge II. Quando terminou sua pergunta, viu melhor o homem que estava atrás do Lorde.

Pouco mais alto do que o príncipe, com uma musculatura rígida e bem contornada vestia um colete de lã vermelho, calças grossas de marrons escuro e babado na gola. Um homem cuja primeira impressão era indigerível, sua face barbada em tom escuro.

— E quem é este brutal ser que o cerca? Terminou o príncipe Jorge.

Amanda fechou a porta e foi em direção ao rei. Os passos ecoando no quarto.

— Bom velo, príncipe. Eis que venho apenas visitar no tempo certo. Um velho guerreiro visitando seu velho rei. Este é Janus, meu servo. Dessa vez não pôde conter uma nova tosse e teve que levar a mão à boca para não expelir o catarro na frente da nobreza. Limpo-a na pele de urso e continuou:

— Já não tenho mais a graça da juventude, só ando com a ajuda dos outros, ó príncipe.

O príncipe Jorge II escutou, atento as palavras de Lorde Calinior. Foi em direção a cama onde repousava seu pai cujas mãos eram seguradas por Amanda.

— Pai, esta melhor? Já sabia que não. Era visível seu lastimável estado. Finos lençóis cobrindo-lhe o corpo enrugado e seco. A mão gélida sob a luz do sol de Selimom.

— Ele não teve febre, acho que pode ser um dia bom esse. Falou Amanda, sua voz doce.

— Estou bem, filho, estou bem. Não se preocupe com um homem que vai morrer em breve. O rei Jorge I deu um sorriso, seus lábios roxos pela idade. Levantou a mão direita e passou a ponta dos dedos na face jovem de Jorge II, os olhos em lagrimas, a boca tremula, o peito arfando e, lentamente, a mão descendo. Decaiu e repousou na macia cama de linho de seu Castelo.

A tosse de Lorde Calinior chamou atenção. Não fora como uma tosse de antes, seca, dolorida, mas uma tosse que mostrava que ele ainda estava ali. E seu servo também. Viu o rosto de Jorge II virar-se e leu a pergunta oculta em sua face.

— Nosso bom rei é forte, príncipe Jorge. Ele vai resistir mais. Terminou sem praguejar.

— Eu sei Avriom. Eu é que não sou forte. O soluço e as lagrimas tomaram a cena. Prosseguiu o príncipe.

—Como posso ser forte, se perco o único filho que tenho e nem passa a dor, perco o pai. O choro aumentou.

— Não Jorge...! Seu pai não o abandonou. Quase não dera para ouvir as palavras do rei, cujos fonemas saiam incompletos.

— Jorge... Limitou-se Amanda a dizer.

— Está vendo, ele verá a primavera do ano que vem príncipe Jorge, guarde o que digo. O tom de voz de Lorde Calinior saiu alto e Janus olhou rápido enquanto buscava instruções.

— Disse o senhor príncipe, que não era forte para tais perdas. Posso perguntar se vossa esposa, a princesa Elira, é? Seu punho fechou para conter uma nova onda de tosses que surgisse. Mas não veio.

O príncipe Jorge virou-se, soltando a mão de seu pai.

— É, sim. Suporta a dor como uma rocha. Queria ter tamanha força dentro desse corpo firme. Em pé, ergueu as mãos aos olhos e aparou, em vão, o rio de lagrimas que escorria dos olhos inchados.

O rei Jorge suspirando. Amanda acariciando a pele clara do majestoso amante. Janus parado. Jorge II ensopado de lagrimas, cuja fonte ainda não secara.

— É surpreendente a força de sua esposa. Com certeza ela está no Templo agora, orando para que Cresuel siga sua jornada sem males, não é? Ajeitou-se na cadeira dura, cujas almofadas já o incomodava, e esperou a resposta.

— Não. Passou o dia de ontem recitando orações junto ao corpo. Hoje fui eu. Deixei-la em nosso quarto, banhando-se para afogar os males da perda. Jorge II era apenas sofrimento, sofrimento visível.

Lorde Calinior derrubou um vidro, salpicando o chão de pequenos e grandes pedaços de vidro, um liquido verde serpenteando no chão azulejado. Uma tosse estridente, alucinógena, fora dos padrões, mostrou a fragilidade do velho Lorde. Janus o apoiou na cadeira e aliviou suas dores, que passaram rápido. Este, Porém, ainda falou:

— Senhor Lorde, seu xarope acabou, o senhor quebrou o vidro. Tenho que pegar mais.

Um aliviado Lorde Calinior respondeu:

— Claro, sim. Desde que o príncipe não se importe que eu fique aqui enquanto você pega na carruagem, você pode ir. Certo príncipe Jorge?

Jorge olhava o pai em seu leito de morte, cuja fraqueza agonizava mais do que o próprio fim.

— Que seja. Pode ir.

Lorde Calinior aproximou sua cadeira da cama, onde o rei Jorge I encontrava-se. A serva Amanda, a eterna amante do rei pensava o Lorde, derramava lagrimas cristalinas sob os amassados lençóis azuis.

Lorde Calinior, cadeira junto à cama, tornou a falar.

— Não tema a morte rei Jorge, ela pode ser um alivio. Seus lábios juntaram-se e disseram as ultimas palavras antes que Janus, o seu servo, saísse apressado do quarto. Tudo estava como combinado.

Enfim silêncio.



***



O sol já estava alto no céu azul. Nuvens, levemente acinzentada, voavam soltas e vagarosas pela infinidade das horas. Se tivesse olhado uma ampulheta, instrumento usado para medir o passar do dia e o chegar da noite, teria visto marcando quase meio dia, uma hora movimentada nas grandes cidades.

Enquanto o noviço do Templo conduzia a carruagem pela estrada de paralelepípedos esmaltados, Servilis repousou em seu confortável banco e sorriu quando pensou no passado de seus dias.



Cerca de uma semana atrás, em uma visita ao Castelo, Servilis deixou-se levar pelas orações no Templo do Castelo. Quando seus olhos abriram-se, percebeu que não mais se encontrara sozinho no solar dedicado á Selimom. Este nada mais que uma sala, cuja diferença era uma janela no topo do teto, sendo manualmente aberto ou fechado permitindo assim a entrada constante da luz do sol.

Havia caído em um transe de orações e quando despertou, notou a companhia da princesa Elira. Estava sem as servas, algo que perturbou o sacerdote.

A princesa Elira disse querer conversar e não hesitou parar as lagrimas nos olhos. Durante longo tempo, os dois conversaram. Cada palavra que Elira dizia surpreendia um sacerdote de 62 verões. Nunca esquecera do choque que Elira deu-lhe contando uma historia tão fantástica quanto absurda de acontecer. Mas acontecera e Elira estava aflita. A princesa não omitira, sabia, nem um detalhe e este não acreditou na sorte que Selimom reservara-o. Elira terminou seu relato com uma veemência na voz, dizendo: “Servilis, por favor, não conte a ninguém. Desejo encontrá-lo antes que outro o faça”. Servilis, todo maravilhado, acenou a cabeça enquanto dizia: “Claro princesa, será uma honra ajudá-la. Pode confiar, nada direi”. Mal sabia Elira que Servilis juntura o pouco que sua memória havia retido durante todos os anos e concluíra esbanjando o resultado da busca da princesa. Elira afastou-se deixando um Servilis de sorriso irônico.

Assim que viu a princesa Elira afastar-se, Servilis dirigiu-se a presença do rei Jorge I. Como sacerdote de grande estima, não obteve problemas em ter com o rei, apenas dizendo que viera confortá-lo. Quando contou a conversa que tivera com a princesa Elira, Jorge I cedera a um desmaio, cujo vigor só retornara horas depois.

Servilis, sua sabedoria trabalhando feroz na escura obsessão, focalizou seus desejos e jogou a isca. O rei Jorge I, velho e morrendo, caiu na armadilha. As palavras estão reverberando, como se pedissem para serem saboreadas novamente. “Se você encontrá-lo Servilis, antes que o pouco de vida que me resta se esvaia, eu o consagrarei Lorde dando-lhe terras”. Um Servilis cheio de desejos obscuros saiu do quarto real, deixando o rei Jorge I perder-se nas dores da velhice.

Porém, para que seu nome passasse a ser Lorde Servilis, teria que matar alguém. Alguém cuja morte não seria fácil nem custaria pouco ouro.

CAPÍTULO 8
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