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CAPÍTULO 6 .

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O fato que decorre agora, cujo narrador é não outro senão o “tempo”, é banhado pelo sol e pela atmosfera sepulcral de onde se passa...



“Aqui jaz, Venezio III, cujo feito foi defender seu castelo de um ataque de Ferais”. Era a única inscrição na lápide que o homem podia ver.

O sol despertara há pouco e o frio ainda envolvia o velho corpo do homem. Estava sentado em sua cadeira acolchoada, estranhamente equipada com duas rodas menores que a de uma carroça, servindo de sustentação na frente e duas hastes na parte de trás. Há muito já se encontrava frágil e uma doença, ainda sem explicação para os sacerdotes locais a não ser o peso da idade, retirara a força de suas pernas, deixando ao serviço cotidiano de dois servos toda ação que pudesse executar. Os servos, homens altos, fortes, eram em si, guardas. Portavam espadas curtas, espadas longas, adagas, e tantas outras que pareciam prontos para uma guerra. Havia também xaropes para a doença de seu senhor.

Sua mente não pensava em outra coisa se não vingar-se do imprudente inimigo. Tivera muito tempo para tramar a revanche contra o homem que deveria honrar. Agora era a hora perfeita.

A visão era ótima e podia ver até onde os seus cansados olhos conseguissem divisar. Encontrava-se no topo de um morro, onde o cemitério guardava os restos mortais de seus antepassados. Uma serie de túmulos, jazigos de mármore e esculturas valiosas, encontravam-se ali. Mas se podia ver além. O verde preenchia tudo à frente. A primavera começara fazia apenas duas semanas e esta já percorrera os campos derramando suas cores e perfumes pela flora. A relva crescia forte, cercada por milhares de flores diferentes, cujas ínfimas tonalidades enriqueciam-na como um arco-íris no céu. Alguns metros abaixo, um veio de rio levava água bosque à frente, bosque este repleto de boa caça e árvores frondosas cujas folhas verdes e brilhantes exultavam ao dia que nascia. Carnaúbas esbanjavam seu tom roxo, enquanto codornas e pardais cruzavam o céu azul dando cambalhotas e recitando seu doce canto. Como lindas eram suas terras. Uma vastidão de propriedades, tendo dois soberanos para comandá-las. Jogou mais uma noz partida na boca e conjeturou a falta de dentes, esmagando-as com grande dificuldade. Apenas esperava uma visita.

Extasiado com tal visão, o homem na cadeira com rodas, ajeitou a confortável pele de urso-cinza contra o corpo, deixando-o protegido do frio amanhecer. Seus ouvidos chamaram-lhe a atenção quando pés esmagaram a grama fofa da primavera logo atrás de si.

— Um local bonito esse que você escolheu. A voz perdeu-se, baixa, na colina dos mortos.

Virando penosamente a cadeira com rodas, o velho viu o visitante aproximar-se. Estava disfarçado, só podia ser. Usava uma pele de carneiro seca sob o peito, calças de couro, o cabelo solto, e não portava nada, pelo menos que pudesse ser visto. Não tinhas mais de 25 verões. Um jovem cujo nome era passado de lábio em lábio através dos becos da cidade ou na boca de um taverneiro. Mas as muitas faces que já usara eram facilmente encontradas em cartazes de “procura-se”, com uma boa recompensa associada.

— É sim, é sim. A voz do velho saiu áspera e fraca, mal podia ser ouvida. Precisava parar para que o ar não lhe faltasse.

— Quero que tire a vida de uma pessoa. Sua mente era turbilhão de pensamentos. Cheia de ódio e vingança.

— para tal me contratam senhor. Diga quem e onde. E será feito. Se pagar adiantado, claro. Elmer já estava com o bolso cheio de ouro, graças ao contrato anterior, feito um dia antes. Esperou pacientemente o nome da vítima.

O velho respirou profundamente e sua mão elevou-se à boca num momento de luta contra a tosse seca. Expelia um fluido grosso, verde e pegajoso de dentro dos pulmões. Elmer esperou o homem recuperar-se.

— Veja bem, - disse após contorcer-se em espasmos provocados pela tosse - pode parecer difícil, mas tenho como encaixá-lo dentro do lugar. Outra série de tosse paralisou-o e houve um momento de espera. Quando o alivio da boca retornou, o velho disse:

— Quero que mate um membro da família real!

O choque das palavras fez Elmer recuar, mostrando seu espanto. O que estava acontecendo? Duas noites atrás, havia a noticia de que o príncipe Cresuel fora morto. Na noite passada, outro homem, de voz demoníaca, pagara-o muito bem para matar um membro da família real. Será que o rei Jorge I tinha tantos inimigos assim? Bom, se fosse o caso, eles sabiam aproveitar bem a oportunidade e contratar as pessoas certas.

— É uma tarefa difícil para você? Perguntou o velho, cujos olhos viram o espanto de Elmer.

— Não, não. Apenas imagino como me fará entrar no Castelo. A mente de Elmer já estava assimilando as oportunidades. Se fosse a mesma pessoa, Elmer ganharia o ouro mais fácil de sua vida, e este homem disse que poderia colocar-lhe facilmente dentro do Castelo. Não haveria muito esforço. Era só encontrar a vítima e aplica-lhe seu poderoso veneno. “Que sorte a minha o príncipe Cresuel ter morrido esse ano”, pensava Elmer.

— Não será difícil... . Foi interrompido por uma tosse súbita e expeliu mais uma grande quantidade de catarro. Prosseguiu assim que pôde:

— Há sempre um jeito da raposa pegar o coelho.

Nos pensamentos de Elmer, o Assassino, seu nome receberia a recompensa mais cara já exposta nesse reino. Um mártir que ele estava disposto a fazer.





***



A princesa Elira acompanhou seu marido até o quarto. As servas, acompanhantes de Elira, recuaram quando a porta foi aberta. Elira e Jorge II entraram.

Havia uma gigantesca cama de casal bem no meio do quarto. Estava arrumada, com travesseiros azuis e lençóis de mesma cor. Linhos caiam do teto acima da cama, deixando uma redoma de vívidas cores envolverem o móvel. Uma lareira guardava a parte direita, com mini-esculturas e jarros sob sua fachada. Na parte esquerda, uma mesa ocupava o centro da parede, com um grande espelho refletindo o casal de príncipes. Havia mais moveis; um baú de roupas, cômodas, jarros, quadros e um candelabro dourado no teto. O chão era forrado por azulejos azuis e brancos, repletos de figuras que formavam um mar, com navios e serpentes ocupando seu azul-turquesa. Uma varanda mostrava-se aberta, esperando ser desfrutada com uma visão das montanhas.

Jorge II apoiou as mãos na alça superior de uma cadeira próxima, baixou a cabeça e falou, penosamente.

— Falei com Deril, ele disse que não podia reverter a maldição de Cresuel. Suspirou arfante e deixou, novamente, as lágrimas escorrerem pela face.

Elira adiara essa conversa por muito tempo. Pensava que a sombra do passado só voltaria quando estivesse à beira da morte e não tão jovem. Não era um bom momento, sabia ela.

— Meu coração está frio sem o calor de Cresuel para aquecê-lo. Olho para o além... e vejo sua face, sem poder toca-lhe. Elira fitou o espelho abobado de cristal, seus contornos resplandecentes com os raios de luz. Jorge II estava arruinado. Em breve, com a morte de seu pai, ele seria aclamado rei de Dantsem. Elira seria rainha e mesmo com todo amor que pudessem ter, não poderiam prosseguir, pois o reino não teria herdeiro direto, sangue real comandando o destino do povo.

— Se ao menos tivesse me dado outro filho depois de Cresuel, não teria que passar por... Perdi um filho, meu pai está morrendo e Dantsem será governado por outro de sangue impuro depois que morrermos. Jorge não suportava tal pensamento. Desde criança fora educado como um rei, paparicado, suas vontades feitas. Aprendera com sábios a legislar, a comandar e tantas coisas que gostaria de passar para seu filho. Mas agora, mesmo com a primavera soltando suas cores, os rios cheios e os animais à mostra, um vazio envolvera o coração do soberano.

— Deveríamos ter tido outro filho. Talvez você possa... . Olhou para Elira.

Elira passou a mão pela barriga, acariciando o linho claro e sentido sua textura macia. O remorso veio com as palavras de seu marido.

— Você sabe que não posso ter mais filhos, por que ainda me atormenta Jorge, por quê? Sua implacável força cedera ao golpe íntimo de seu marido. As lágrimas já não eram mais contidas, suas mãos subindo e decaindo, limpando uma face borrada de água salgada.

Os pensamentos que atormentavam Elira, nesse momento, eram de um romance passado, cujos frutos dosavam de alegria seu coração.



Quando ainda era jovem, assim que se casou com Jorge II, príncipe de Dantsem, Elira engravidara. No inicio, o espanto da notícia levou a festas e celebrações. Porém, nos quatro meses depois, as dores vieram. Eram constantes essas dores. Diziam as sacerdotisas, encarregadas de Elira, que seria um grande menino ou, o que era mais espantoso, dois ou três. Elira não se importava se fossem um, dois ou três, amá-los-ia igualmente. Mas sabia que não poderia ser assim. Um rei deveria ter um príncipe, menino, um primogênito cuja responsabilidade recairia sob os ombros quando sucedesse o rei. Depois que um príncipe fosse dado, a rainha poderia conceber outros, pois seria o primogênito quem governaria.

Para Elira, a notícia de que poderia conceber dois ou mais filhos, de uma mesma gravidez, preocupava-a. Não que Jorge II fosse capaz de fazer algo contra a vida de seus filhos, mas Elira não confiava no pai de Jorge II, o rei Jorge I, homem cujos rumores não mostravam um bom caráter. Quando se aproximou a hora do nascimento, Elira recatou-se, trancando-se no quarto com uma serva. Permanecera por exaustas duas semanas para que finalmente desse a luz. E como sofreu Elira. Era sua primeira gravidez e tal fato tornava-a inexperiente. As dores deixavam seus lábios roxos cujos dentes cortavam-nos. As pernas não agüentavam o peso da barriga e esta era grande, muito grande. Seus braços incharam, seus tornozelos rosaram-se e sua face aumentou. Comia como um leão devorando sua caça, tirando aos pedaços.

A serva, uma mulher cuja lealdade recaia sobre Elira e não em Jorge I, estava do seu lado. Elira não queria que ninguém, que não fosse ela e a serva, estivessem quando desse a luz. Tendo Jorge II concordado, pois Elira alegava que estava muito feia e gorda, permitira que ela trancafiasse em seu quarto. E assim foi. Elira, durante a noite, vira as dores aumentando e o sofrimento anunciando a esperada hora.

O júbilo do nascimento arrancou todas as forças de Elira. Assim que escutou o fino choro da criança que sentia pela primeira vez o frio do mundo humano, onde toda sua vida o aguardava, Elira desmaiou. Mas antes do véu negro baixar-se, teve a certeza que escutara mais de um choro.

A serva informou o nascimento e todo o Castelo fora desperto naquela noite de outono, e as árvores, desfolhadas, aplaudiram com seus galhos secos o mais novo príncipe de Dantsem.

E na escuridão escarlate do Castelo festivo, uma mulher de pele morena, segurava um menino choroso enquanto corria pelas sombras. Enquanto Elira adormecia em sua cama.



***



Viu-se Elira, agora, com uma dor no âmago do seu coração. Jorge não sabia de seus pensamentos e ela esperava que continuasse assim.

Despiu-se de suas roupas, os pensamentos pedindo para serem afogados em uma fria água de banheira. Jorge recostou-se na cama e permaneceu incólume, olhando os véus de cetins caírem sob os lençóis de azul-turquesa. Moveu a cabeça em direção a Elira e viu-a quase despida, uma visão do outro mundo, mas um mundo cuja beleza era inviolável ao tempo. Elira ainda era bela: os cabelos, desleixadamente penteados, faziam-lhe em volta da cabeça, como um resplendor de santa, santa somente, não um mártir, pois as curvas tornavam-na sedutora, como raras vezes há de ter havido no mundo. Era a visão que manteria Jorge II eternamente apaixonado.

— Sofro tanto quanto você Jorge. Daria meu sangue para trazer Cresuel de volta. Ainda olhava para o espelho enquanto falava.

— Desculpe-me, Elira. Devo estar fora de mim. Olhava, Jorge, uma Elira cuja força e caráter eram sua sustentação.

— Não se atormente mais meu amor. Vou banhar-me agora. Dirigiu-se Elira há uma porta lateral, quase escondida, que conduzia à sala de banho, deixando o príncipe Jorge II mergulhado em seus pensamentos.

Assim que Elira afastou-se do espelho, leves batidas na porta despertaram o príncipe. Levantando-se a custo, dirigiu-se à porta, abrindo-a.

— Seu pai deseja vê-lo senhor príncipe. A voz de Amanda penetrou nos ouvidos de Jorge.

— Ele pede que vá agora. Fez uma reverência e afastou-se, corredor à frente.

Jorge, sem pensar direito, encostou a porta e caminhou pelo corredor, rente ver seu pai agonizante no leito de morte.

CAPÍTULO 7

Verbetes que fazem referência

Traição e Magia, CAPÍTULO 5
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