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Epílogo .

Epílogo

Donatar, outono de 1500 D.C.

O som arrastado e intermitente produzido pelo atrito entre a ponta úmida da pena e o pergaminho de pele de carneiro, preenchia todo o aposento. No centro, um corpo pequeno e frágil, com seus longos cabelos brancos, debruçava-se sobre uma pesada mesa de carvalho, rabiscando as grossas folhas de um livro em um ritmo frenético, como se cada frase fosse a última.

 Já fazia quase cinqüenta anos desde que o velho escriba resolvera dedicar toda a sua vida a registrar uma história, um testemunho da fascinante e conturbada terra na qual vivia. E os anos de confinamento só fizeram piorar sua já debilitada saúde. Agora, todos os simples respiração tornara-se um árduo esforço pela sobrevivência, causando-lhe terríveis dores no peito. A cada dia que passava, sua vista cansada demonstrava sinais do desgaste, e o tremular da chama da vela que iluminava seus manuscritos, fazia com que as letras parecessem vivas, sorrindo e dançando, como se zombassem de seu esforço. Mas o velho tinha um objetivo. Uma missão. E iria cumpri-la.

A cada pausa para respirar, o velho lembrava-se de seu antigo amigo meio-elfo. Eles haviam trabalhado juntos por quase meio século e, freqüentemente, sentia falta de suas conversas em frente à lareira. Fora graças a seus relatos que o velho pode compor a maior parte de seu trabalho. Já fazia cerca de cinco anos que seu amigo falecera vítima da febre e, mesmo assim, o velho lembrava de cada frase sua como se houvessem sido proferidas momentos antes. Isso lhe dava forças para continuar.      

 Enquanto escrevia, imagens de sangrentas batalhas lhe vinham à mente. A ascensão e queda de reis; A união e discórdia entre as muitas raças; templos construídos, destruídos e construídos novamente. Histórias de um mundo vivo constituíam as lembranças dos testemunhos de seu antigo companheiro, e eram imediatamente transportadas para o papel, como se não houvesse ligação alguma entre sua memória e a pena que segurava. O velho respirou fundo, tossiu, e uma dor alucinante o fez curvar-se ainda mais sobre a mesa. Tossiu novamente. Mais dor.

 - Tenho de agüentar - sussurrou ele, com uma voz fraca, saindo quase como um chiado. - falta tão pouco!

 Com a pena pesando mais a cada letra, ele rabiscou a última vírgula, a última palavra e, por fim, o último ponto.

 - Enfim, está terminado - sussurrou novamente, dessa vez não ouvindo sua própria voz. 

O velho fechou o grosso livro e ficou durante algum tempo observando a capa. Era a última vez que contemplava aquele título. Claro, aquela era apenas uma pequena parte. Outras histórias deveriam ser contadas e outros livros escritos, mas não por ele. O velho escriba havia feito a sua parte, havia cumprido a sua missão. Infelizmente - apesar de todo o seu esforço - ele não testemunharia a continuação de seus registros, nem conheceria seus autores, pois o fechar do livro viera junto com o último suspiro do velho, que agora repousava seu corpo cansado sobre a sua maior obra: um livro grosso com capa de couro, cujo título - escrito com belas letras douradas - denunciava a importância de seu conteúdo. 

TAGMAR

Volume I: O Livro dos Reinos

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