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Epílogo .

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Chats estava em chamas...

A horda bankdi penetrara a última linha de defesa da cidade e se esparramava pelas ruas, praças e vielas. Morte, destruição e sangue acompanhavam seu rastro.

A unidade onde me encontrava fora incumbida de defender a praça de acesso à entrada principal do Palácio Imperial. Teríamos de barrar o avanço da turba assassina até a comitiva real conseguir escapar do cerco.

Estávamos condenados... sabíamos disso.

Mas eu sentia paz. Após tantos anos combatendo a seita, entregando-me de corpo e alma a isso, finalmente eu poderia ter paz...

A multidão de guerreiros inimigos surgiu na praça que nossa unidade iria defender. Eles eram tantos que cheguei a temer que muitos de nossos combatentes debandassem.

Não titubeei. Com um grito em minha garganta lancei-me em direção dos monstros. Um coro de centenas de vozes acompanhou-me e a carnificina começou.

A matança foi terrível. Perdi a noção de quanto tempo passara, de quantas bestas derrubara. Um frenesi assassino tomara conta de mim. Nada mais existia no mundo exceto a fúria de exterminar aqueles malditos adoradores de demônios. Nada mais valia a pena. Nada mais importava...

“Kerdal”

A voz.... de novo aquela voz....

“Kerdal, que estás fazendo?”

Olhei ao meu redor, procurando quem falara comigo. Não vi ninguém. Estaria ficando insano?

“Kerdal, você se esqueceu do que você é?”

Foi quando o vi. Um guerreiro, no meio do caos, da fúria da matança, da loucura... ele caminhava em minha direção, lentamente, calmamente. Parecia ignorar o que acontecia ao seu derredor...

“Kerdal, você se esqueceu de quem você é?”

Sua armadura brilhava numa luz sobrenatural, seu escudo emitia lampejos cegantes, sua espada pendia majestosa da bainha...

Fiquei parado. Não conseguia me mover.

Ele se aproximou de mim. Uma aura poderosa de nobreza, sinceridade, honradez e justiça emanava de sua pessoa. Sua voz era firme, porém afável.

“Kerdal, você se esqueceu de mim...meu valoroso servo?”

Crisagom?!

O ruído da batalha perdeu o sentido para mim. As mortes, os golpes, o sangue derramado, o caos, as chamas... tudo parecia distante...

“Meu Senhor...” –Curvei-me diante dele.

“Você se esqueceu, Kerdal. Você se esqueceu do que representa, do que você simboliza... a essência dos preceitos que jurou um dia servir...”

Mas, como? Eu dedicara toda a minha estada em Filanti a... combater a seita e destruí-la! Do que eu havia me esquecido?

Ele estendeu sua mão para mim.

“Venha comigo, Kerdal. Sua luta não é mais aqui. Eu lhe mostrarei a sua nova missão. Este pedaço de terra está perdido. Você precisa sair daqui e ir para outro lugar”

Não entendi. Como assim sair do meio da luta e ir para outro lugar? Eu devia fugir? Como um covarde?

“Eu o levarei a novas paragens e a novos conhecimentos. Eu o guiarei até o seu destino”

Eu queria resistir, dizer-lhe que aquilo não fazia sentido... um sacerdote de Crisagom não fugia como um covarde de uma batalha, que meu lugar era ali, junto de meus companheiros. Mas alguma coisa naquelas palavras, naquele semblante, arrastava-me para longe de tudo aquilo...da morte de mais um reino... de mais um fracasso...

Lágrimas começaram a cair de meus olhos...

“Venha, seu destino o aguarda...”

Ergui-lhe minha mão banhada em sangue bankdi...

***

Em algum lugar próximo a Fétor. Nordeste de Filanti. 1380 D.C.

O ribombar dos trovões arrancou-me da cama. Acordei banhado em suor, apesar da ventania que entrava pela abertura de minha tenda.

Tivera aquele estranho sonho mais uma vez. O sonho que atormentava o meu espírito há quase três meses. Era a mesma coisa sempre... Chats em chamas, a luta insana, o aparecimento do guerreiro divino, que eu teimava em achar ser Crisagom e suas palavras enigmáticas sobre esquecimento, derrota, destino e fuga para outro local...

Aquilo não fazia sentido. Um sacerdote do deus da honra e da justiça não fugia de uma luta como um covarde... e do que eu havia me esquecido?

Balancei a cabeça e afastei aqueles pensamentos. Levantei-me e fui até a bacia de água lavar meu rosto. Respirei fundo.

Aquela maldita guerra sem fim já devia estar afetando as minhas faculdades mentais.

Noventa anos!...

Já fazia noventa anos desde que eu chegara a Filanti, vindo de Abadom. Noventa anos em que eu nada mais fizera do que combater demonistas e demônios por toda a extensão da fronteira deste país...

O preço da longevidade, às vezes, era duro de se pagar. Ver morrer e enterrar cada uma das pessoas queridas que haviam chegado comigo a este pedaço de Tagmar era um desses fardos que um meio-elfo teria que carregar...

Leymar, Arctus, Clarn, Imlad, Harim...

Eu era o único sobrevivente...

Quanta coisa acontecera neste período.

O Norte estava sendo dominado pela Seita. A Aliança não conseguia derrotar os invasores.

Um após o outro eles caíram... Primeiro Luna. Depois, Abadom finalmente sucumbira. A seguir, o reino da cidade de Runa...

Nem os poderosos magos daquela região puderam resistir. Correram boatos, naqueles dias, que os demônios haviam lançado sobre eles uma terrível criatura que não era atingida por seus sortilégios.

Todos temíamos que a mesma fosse lançada contra nós, naquela ocasião... ou ainda o será.

Depois de Runa, Plana fora a próxima a ser invadida.

E, por fim, Filanti...

Já fazia trinta e dois anos que os combates passaram a ser travados dentro do território do país. Havíamos resistido bravamente a uma invasão antes desta época, mas as sombras, no fim, alcançaram esta região.

O Sul, na fronteira até perto da floresta de Gironde, já pertencia aos exércitos das Trevas. Esperava-se um ataque em larga escala contra Mutina, vindo do sul; contra Capela, vindo do Lago Denégrio; contra Rapso, do outro lado da floresta de Gironde, vindo da dominada Luna e outro em Fétor, cruzando o rio Lara, vindo de Runa. O local onde me encontrava neste momento.

Alguns espias haviam nos informado das tribos de orcos que habitavam as montanhas de Keiss, que nas regiões circunjacentes à cidade estavam se agrupando, liderados por um bruxo bankdi que se infiltrara, por sabe-se lá que meios, no local e planejavam organizar um exército para um ataque conjunto à cidade, juntamente com as forças demonistas que marchariam do Leste do rio Lara.

A unidade de guerreiros na qual eu me encontrava fora designada para patrulhar a área próxima à cordilheira, mas até aquele momento não havia sinal de atividades da seita ou dos orcos.

Não conseguindo conciliar o sono, saí de minha tenda. O vento cortante banhou minha face com seu gélido toque. A alvorada que chegava ameaçava não se completar devido às feias nuvens negras que rapidamente se formavam nos céus. Uma tempestade se avizinhava de nosso acampamento.

Uma tempestade... as trevas encobrindo a luz.

Parecerá ridículo e até profano pensar isto, mas algumas vezes a sensação de futilidade era esmagadora. Agora, que a maior parte desta terra enegrecida pelo pavor da guerra pertencia aos malditos lordes infernais e seus servos carniceiros, soa fácil ficar desencorajado. Algumas vezes eu sinto que agüentar este fato, após uma centena de anos combatendo a seita, não significa mais nada. Que observar a lenta morte deste mundo e de seus povos significa ainda menos. Nossos esforços pareciam não fazer a menor diferença...

Estaria eu perdendo a fé? Será que era sobre isso que Crisagom me alertava?

Um novo trovão ecoou ao longe. Alheio a isto, voltei novamente meus pensamentos para o sonho que teimava em não se retirar de minha mente. A idéia de sair de Filanti não passava pela minha cabeça. Apesar de todos os meus pensamentos pessimistas, ainda a chama da honra queimava em meu coração.

Mas o sonho me afirmava que esta terra estava perdida. Que meu lugar não era mais aqui. Que meu destino não pertencia mais a Filanti...

Não podia ser coincidência um mesmo sonho repetir-se durante tanto tempo. Meu senhor me avisava de que algo aconteceria em breve...

Mas o quê?...

***

Mais uma vez Targo tivera um sonho que lhe perturbava não pelo seu conteúdo, mas pelo seu significado...

Ele via, em meio a uma grande batalha, um leão. Um leão encurralado. Mas era um leão diferente dos que ele já vira quando criança, nos espetáculos circenses em sua cidade natal.Ele portava o símbolo de seu deus marcado em sua testa.

Dezenas de seres demoníacos cercavam este leão e tentavam derrubá-lo com suas garras, com suas chamas, com suas armas. Mas a cada investida das criaturas, o felino rugia mais alto e lutava com muito mais força.

E ele apenas observava o felino lutar. Ele não conseguia intervir. Seus braços estavam torpes.. seus pés paralisados.

Mas algo dentro de si, um sussurro discreto, lhe dizia para ir até o felino e levá-lo consigo, tirá-lo daquele local, cuidar dele, ensiná-lo e dirigi-lo no caminho certo...

Que aquilo era importante...

Ele não entendia como faria isso. Como ensinar um animal? Aliás, seria um animal?

Às vezes, ele pensava consigo mesmo, seu senhor lhe falava das maneiras mais estranhas.

Mas esta suplantava todas elas...

Mesmo no sonho, Targo sorriu.

***

A trovoada chegara e a chuva já durava dois dias. O acampamento se tornara um grande lamaçal e eu me perguntava se algum dia o mundo acabaria em uma grande inundação.

Mas, no momento, minhas idéias de um apocalipse diluviano estavam eclipsadas pelas notícias que os batedores havia me trazido – “Mestre Kerdal, os orcos se movimentaram! Vimos um grande grupo deles se dirigindo para a vila de Leand, distante quase um dia e meio de viagem.” – Pensei... Se nos apressássemos, poderíamos surpreender as criaturas e proteger o vilarejo de um ataque iminente. Não se tinham notícias se os habitantes do vilarejo haviam sido avisados. Os batedores não souberam nos informar...

Partimos ainda naquele dia, debaixo de uma chuva fina, que se sucedera à tempestade anterior, mas que ainda enregelava os nossos corpos debaixo das armaduras. Nosso grupo era formado por cerca de duzentos guerreiros, alguns arqueiros e uns poucos sacerdotes de Blator, Selimom e Crezir, estes últimos vindos da Moldânia. Eu era o único sacerdote de Crisagom na minha unidade, pois a maior parte de meus confrades lutava na resistência do sul, perto de Mutina.

Cavalgamos durante muitas horas avançando alguns quilômetros para dentro de Filanti. Os picos da cordilheira de Keiss estavam bem visíveis para nós quando acampamos ao cair da noite. Estávamos mais perto do vilarejo. Eu demorei a me deitar, temendo o que me aguardava em meus sonhos, mas acabei cedendo ao cansaço e adormeci, orando a meu deus por uma noite mais tranqüila antes do início dos embates no dia seguinte.

***

Targo havia recebido informes de que uma horda de orcos vindo das montanhas se precipitava sobre as vilas espalhadas pelo vale. Os relatos, vindos de fontes que pareciam confiáveis, incluíram, também, que um destacamento do exército filanti se dirigia para o local, mas eles não chegariam a tempo de proteger os habitantes das bestas assassinas. Segundo os dados, as criaturas se dirigiam rapidamente para a vila de Leand, que, por motivo ignorado, não pudera ser alcançada para ser alertada do grave perigo que espreitava seus arredores.

Seguindo os preceitos que jurara defender desde que adentrara a ordem, Targo levantou acampamento e conduziu seus oitenta acólitos em direção a Leand. Com as bênçãos divinas eles chegariam a tempo de segurar a horda inimiga, mesmo à custa de suas vidas, até o destacamento filanti chegar e intervir.

Sempre fora assim. Sempre seria assim...

Mas não foi.

***

Na minha longa vida de meio elfo meio humano presenciei algumas coisas vis neste mundo corrompido. Assassinatos, violência, injustiças, escravidão, fome, miséria, destruição, entre outras. Mas uma das piores, que, particularmente, mais me enoja é a traição... Pois foi isso que quase vivenciamos, naquele dia, no vilarejo de Leand.

Fôramos conduzidos a uma armadilha. Nunca soubemos se os batedores haviam se vendido aos poderes das trevas ou já eram adoradores da seita que se infiltraram em nossas linhas. Fomos conduzidos, inocentes e puerilmente, como ovelhas para um abatedouro. Confiáramos, cegamente, nas informações que tínhamos recebido.

Tudo poderia ter sido diferente, se Crisagom, mais uma vez, não tivesse intervido...

Havíamos levantado bem cedo e puséramos nossos corcéis em marcha no primeiro raiar do dia. Estávamos ansiosos para chegar até a vila, alertar seus aldeões e elaborar um plano de defesa da mesma, que nos permitisse manobrar rapidamente, impedindo os orcos de fugirem para outros locais.

A vila de Leand ficava num vale muito bonito, cortado por alguns regatos de água límpida, bem próxima aos contrafortes das grandes montanhas que formavam a cordilheira de Keiss, que atravessava grande parte da extensão territorial de Filanti. Pequenas florestas de abetos e árvores de médio porte quebravam a paisagem rústica do lugar.

Nos aproximamos do local onde estaria o vilarejo, atrás de um pequeno monte, quando ouvimos sons de batalha...

Os orcos haviam chegado antes de nós!!

Tomados de um sentimento de profunda urgência, tiramos até a última força de nossos cavalos numa cavalgada alucinada pela pequena elevação. A cena que se descortinou quando atingimos o topo fez-me prender a respiração...

O vilarejo era composto de algumas dezenas de casas simples, construídas com madeira e espalhadas aleatoriamente pela área urbana. Nenhuma moradia estava em chamas, mas também não vimos nenhum aldeão... o que vimos foi um grupo pequeno de guerreiros acuados, no que parecia ser a praça central da vila, defendendo-se de um grande número de criaturas. Conseguimos identificar alguns orcos nas imediações do vilarejo, mas os demais atacantes não pudemos reconhecer devido à distância.

O nosso grupo ficou paralisado por um breve instante... tudo não passara de uma cilada. Um embuste... e quase caíramos nele. Se não fossem aqueles guerreiros lá embaixo, poderíamos ter sido nós os emboscados.

Não sei o que deu em mim, mas alguma coisa me fez empurrar meu cavalo para frente, que saiu em desabalada carreira, descendo a colina numa galopada espetacular. Atrás de mim, o grupo de sacerdotes de Crezir e de Blator levou uma pequena fração de tempo a mais para ter a mesma reação... os guerreiros vieram a seguir.

Saquei minha espada enquanto segurava as rédeas do corcel. Um grupo de orcos formava uma massa pouco compacta numa das ruas laterais ao centro da vila. Era para onde o animal me levava. Eu teria de atravessá-la para chegar até os defensores do outro lado.

O grupo de guerreiros defendia-se de maneira heróica. Uma pilha de cadáveres espalhava-se ao redor de sua formação. Reparei que um homem enorme, de quase dois metros de altura, forte como um touro, gritava ordens para seus companheiros... Parecia ser o líder deles.

Aproximei-me pela retaguarda da formação dos orcos. Eles viraram-se para mim. Alguns pareciam estar surpresos, outros se assustaram...

"Por Crisagom" – gritei a pelos pulmões – e arremeti contra eles.

Atravessamos, eu e minha montaria, as primeiras fileiras das criaturas, que ou foram atropeladas ou pisoteadas ou simplesmente saíram da frente. Minha lâmina girava de um lado para o outro, decepando, cortando, expurgando o mundo da existência de tão cruéis seres.

Mas, súbito, meu corcel é atacado. Ele cai, se estatelando no chão, arrastando-se por alguns metros, projetando-me à frente e esmagando alguns orcos neste processo.

Encontrei o solo, enlameado e encharcado de sangue viscoso, próximo do final da rua lateral. Alguns corpos de guerreiros, orcos e seres que pareciam homens mutilados e desfigurados espalhavam-se pelo local. Visualizei a vanguarda dos guerreiros. Mal consegui erguer-me e já tive de desviar de um orco que atirava seu machado contra mim. A arma passou a centímetros de minha cabeça, mas não lhe dei tempo de arrepender-se de seu arremesso falho... seu corpo caiu estrebuchando aos meus pés.

Avaliei rapidamente a situação. Meu grupo se aproximava pela retaguarda das formações inimigas, mas eles seriam barrados pelos orcos que resistiriam um tempo precioso até que conseguissem chegar até onde estava. Ali, sozinho, eu não teria chance de me defender. Portanto, sai em desabalada carreira até o grupo que resistia no centro da vila. No caminho peguei um escudo de um deles que havia sido derrubado. Observei o símbolo que incrustava o centro do mesmo...um magnífico martelo de guerra... não o reconheci, a princípio.

Estava quase saindo da viela lateral quando um guincho gutural e estranho soou à minha esquerda. Um movimento rápido e só tive tempo de levantar um pouco meu escudo. Um baque e um forte empurrão de algo se chocando contra mim...

Caí no chão, embolado com meu atacante. Tentei erguer-me, mas não consegui. A criatura se voltou para mim...

Um demônio?!...

Uma face distorcida de ódio encarava-me. Olhos vermelhos queimavam em suas órbitas. Dois chifres longos e pontiagudos projetavam-se de seu crânio deformado. Sua língua sibilava coisas profanas e seu odor sulfúreo entrou pelas minhas narinas, sufocando-me. Sua aparência grotesca e ameaçadora somente era suplantada pela sua força e aspecto físico. Um corpo animalesco e musculoso dava-lhe um ar de superioridade, que a criatura não fazia questão de esconder. Eu me encontrava diante de um demônio guerreiro...

Sua rapidez era impressionante. Num instante ele se encontrava de pé e começou a me chutar com seus pés de bode. Meu escudo retinia a cada golpe.

Rolei para o lado antes de outro ataque e pus-me de pé. Espada em punho, escudo em riste. Um grupo de cinco orcos chegou e fizeram um movimento em minha direção, tentando cortar minhas rotas de fuga. A besta infernal pareceu ignorá-los e guinchou alguma coisa numa linguagem gutural, exibindo suas garras para mim.

Ao meu redor, uma verdadeira batalha se descortinava. Ela era travada, por homens, orcos, outros demônios e também... zumbis? Mas como poderia haver desmortos naquele local? Um grupo deles passou atrás de mim, cambaleando, garras à mostra, indo em direção do grupo de guerreiros que lutava no centro da vila. Fui ignorado por completo. Mas, nesse ínterim, pude perceber que eles, apesar de seu aspecto horrível e assustador, usavam vestes típicas de aldeões, em razoável estado de conservação...e haviam alguns com aspecto feminino...!!

Uma idéia terrível atravessou minha mente...

Não pude completá-la. A criatura infernal soltou um berro medonho e avançou contra mim com suas garras. Aparei seu golpe com meu escudo.Rodei meu corpo rapidamente, girando meu braço direito. A lâmina zuniu, lampejando rapidamente contra a luz do sol, e... perdeu-se no vazio.

A criatura havia se esquivado de meu golpe preciso. Com um esgar que me pareceu um sorriso zombeteiro, a besta avançou alguns passos, abriu a boca... e um mar de chamas partiu de seu hálito vindo de encontro a minha face. Coloquei o escudo à minha frente, por puro reflexo, e joguei meu corpo para o lado. O impacto arremessou-me alguns passos para trás, enquanto o calor fustigou-me a pele dos braços. Rangi os dentes, agüentando a dor das queimaduras.

Não tive muito tempo para reagir. O monstro avançou e novamente atacou com suas garras. Seu golpe foi tão potente que me arrancou o escudo, quase levando meu braço com ele. Eu estava me cansando daquilo e resolvi dar um basta. Decidi agir de forma estratégica. Segurei o símbolo de Crisagom e entoei uma oração rápida, dirigindo meu olhar para três dos orcos que me cercavam. Um leve zumbido em minhas têmporas... um enrijecer de braços e pernas... e o efeito do milagre estava completo. Eu havia conseguido três aliados inesperados...

Levantei minha voz e dei-lhes uma ordem: "Ataquem-no!" – e apontei para a criatura infernal.

Como movidos por uma mola, os orcos avançaram contra o demônio, empunhando suas espadas curvas. Seus companheiros gritaram alguma coisa que não consegui entender.

A criatura infernal foi pega parcialmente de surpresa. Os orcos atacaram aleatoriamente, tentando acertar pontos vitais, mas não foram muito felizes nos seus golpes. O demônio voltou-se e contra-golpeou impiedosamente. Os corpos desmembrados dos três caíram alguns metros atrás dele.

Mas eles haviam cumprido seu papel...

Deram-me o tempo necessário para chegar perto da criatura e golpeá-la certeiramente com minha espada... a cabeça da besta das trevas foi separada de seu corpo, que pendeu molemente antes de cair ao solo.

Voltei-me para o local onde os dois orcos restantes se encontravam e vi que estavam recebendo uma dúzia de reforços que avançavam furiosamente contra mim.

Não podia enfrentar todos eles e corri para o centro da praça, para onde se encontrava o grupo dos guerreiros.

Três desmortos atravessaram meu caminho, tentando me atingir com suas garras. Desviei-me de seus golpes. Em minha mente imaginei que tipo de ser humano havia habitado aqueles corpos agora deformados e degenerados e prometi a mim mesmo que destruiria o autor de tamanha monstruosidade.

Os orcos alcançaram-me. Estava encurralado entre eles e os zumbis...

***

Targo gritava ordens para seus acólitos. Nunca, em sua vida de guerreiro da ordem, passara por uma situação daquelas.

Todo um vilarejo... dezenas, centenas de pessoas transformadas em criaturas amaldiçoadas. Suas almas para sempre atormentadas nos planos infernais. Que mente insana poderia ter concebido tal sacrilégio?

Mas ele não poderia perder tempo pensando nisto agora. Seu grupo fora emboscado pelos desmortos quando adentrava a vila. Eles foram pegos despreparados, ainda mais quando os orcos desceram das colinas adjacentes, cercando o vilarejo e impedindo que seu grupo enfrentasse a ameaça em campo aberto.

A luta, desde o início, havia sido desigual, mas eles estavam se saindo bem, quando os malditos seres do inferno chegaram...

Os demônios guerreiros desequilibraram a balança de forças e, agora, tudo o que eles podiam fazer era lutarem por uma morte honrosa em combate, levando o máximo de inimigos que conseguissem junto com eles...

Ou que Crisagom operasse um milagre...

Targo não viu o grupo de guerreiros chegar, pois no fragor da batalha, mal tinha tempo de olhar para os lados. Naquele exato instante ele defendia-se do ataque de um demônio, que tentava feri-lo com seu hálito flamejante. Ele protegeu-se atrás de seu escudo e, contrariando o que seu oponente previa, avançou contra ele. Seu martelo de guerra rodopiou no ar e acertou em cheio o crânio da besta-fera que foi atirada para trás e caiu morta.

Nisto, um barulho à sua esquerda chamou-lhe a atenção. Um guerreiro isolado apareceu de uma viela lateral e envolveu-se em uma luta contra um demônio guerreiro. De onde ele aparecera? Não havia sinais de reforços...

Por um instante ele se permitiu ser o expectador da luta daquele guerreiro e viu, com espanto, como ele utilizou um encantamento para ordenar que três orcos atacassem o demônio dando-lhe tempo para decapitar a criatura.

Um sacerdote...com um senso de estratégia...

Interessante...

Ele observou como o homem passou a correr na direção de seu grupo, sendo seguido por cerca de uma dúzia de orcos. Viu quando três zumbis cercaram-no, impedindo-o de chegar até suas fileiras.

Foi quando decidiu ajudar o sacerdote, segundo os preceitos que sempre defendera.

Gritou pela ajuda de Andis, um de seus acólitos, com o qual abandonou a formação e foi ao encontro do sacerdote.

***

Eu estava cercado. Os zumbis caminharam pesada e lentamente em minha direção, garras à mostra. Os orcos empunharam suas espadas curvas e avançaram, prontos para o massacre.

Não me recordo muito bem do que vivencei naquele instante, mas lembro-me de ter pensado de que se deveria morrer, que se aquele fosse o meu momento de encontrar-me com Cruine, eu não iria sozinho em meu trajeto.

Gritei a plenos pulmões o nome de Crisagom e atirei-me contra os orcos.

Uma nuvem escarlate cobriu meus olhos. Num instante, todos os anos de intensos combates travados contra a seita irromperam de meus membros... um ódio insano, uma fúria sanguinária, uma loucura arrebatadora apossou-se de meus sentidos...

Eu já não era Kerdal... Eu não sabia quem eu era... o que eu era... só via o sangue das bestas respingar em meu rosto, os gritos roucos de dor, os movimentos rítmicos dos meus braços e pernas, minha lâmina cortando, mutilando, decepando, eviscerando... imagens lampejavam...o frenesi assassino de meus sonhos tomava conta de meu ser... e eu começava a gostar de sentir aquilo. Era inebriante, cegante, apaixonante... eu caía...

“Mestre Targo, cuidado!!”

O grito atirou-me de volta à realidade, arrancando-me das garras daquele sonho aterrador.

Minha visão descortinou uma cena dantesca...

Um jovem guerreiro atirava-se à frente do homem robusto, que ele chamara de Targo e que eu julgava ser o comandante do grupo que se defendia no centro da vila, o qual se encontrava estendido no solo, com seu braço direito ensangüentado, no momento em que um imenso demônio desferia um golpe com um enorme machado de guerra em chamas.

O jovem guerreiro recebeu todo o impacto do golpe! Seu grito de dor ecoou no campo de batalha, e seu corpo desmoronou, agonizante, sobre seu companheiro.

“Andis!!” – ele gritou.

O ser infernal urrou de ódio e ergueu novamente sua arma de chamas para um novo golpe. Desta vez ele completaria o serviço...

Atirei meu corpo para frente. As duas mãos segurando o cabo de minha arma. Girei meus braços num movimento de arco e aparei o golpe da criatura. O impacto percorreu todo o meu corpo e fez meus membros tremerem. A espada retiniu tão alto que temi que ela se partiria num instante...

A besta recuou, um pouco surpresa... Seus olhos dourados emitiram um brilho diferente de tudo que eu já vira antes.

Aliás, aquele demônio era diferente de todos os que eu conhecia... Sua aparência era semelhante à de um guerreiro humano forte, muito forte, envolto por chamas baixas. Sua pele avermelhada e brilhante era coberta em quase sua totalidade por uma cota de malha parcial incandescente. Chifres protuberantes saiam de sua cabeça.

Que tipo de coisa era aquela?

Nisto ouvi um sussurro atrás de mim:

“Por Crisagom... justiça, honra e força...”

O jovem guerreiro, que se sacrificara por seu mestre, expirava. Seu punho direito cerrado foi levado lentamente de encontro ao seu peito esquerdo, aberto e ensangüentado. Suas últimas palavras, ditas em meio a um golfar de sangue haviam sido...

Justiça, honra e força...

Os ideais que eu jurara defender... mesmo à custa de minha vida!

Meus olhos encheram-se de lágrimas. Sem saber, aquele jovem que partia, não salvara somente seu mestre... mas também a mim...

***

Targo correu, juntamente com Andis, por entre os corpos de zumbis, orcos e guerreiros da ordem tombados. Estavam próximos do combatente encurralado e se preparavam para auxiliá-lo.

Então ele viu que o homem, não era um humano, mas um meio-elfo...

E ele ouviu...

“Crisagom” — O sacerdote gritou.

E uma máquina de guerra foi despertada. Targo viu como aquele meio-elfo adepto de seu deus se transformou.

Ele parou e seu acólito, estranhando o comportamento de seu mestre também estacou.

“Mestre, não vamos ajudá-lo?”

Targo gesticulou para esperarem. O meio elfo desferia golpe atrás de golpe. Corpos e corpos de orcos caiam aos seus pés. Ele defendia-se com sua espada e atacava tão rapidamente que seus atacantes tentavam de todas as maneiras furar seu bloqueio, mas não conseguiam. Os zumbis chegaram e tentaram acertá-lo com suas garras, mas ele se esquivou e cortou-os em pedaços...

Ele lutava como um... como um...

“Leão?!!” – Um sussurro fez Targo estremecer em seu íntimo.

O sonho... o sonho que lhe perturbava. Targo não conseguiu se mexer. Seus braços estavam torpes.. seus pés paralisados.

Era ele quem Targo deveria levar dali, cuidar, ensinar e dirigir no caminho certo

Mas seu devaneio foi interrompido por uma criatura que apareceu do nada, bem a sua frente...Um imenso demônio envolto em chamas, com olhos dourados, armadura flamejante e um enorme machado de guerra que liberava fogo infernal.

Pegos totalmente de surpresa, Targo e Andis não puderam reagir em tempo... Com uma mão a criatura infernal desferiu um potente soco no acólito que o fez cambalear, enquanto descia, com toda a sua monstruosa força, o machado de encontro a Targo.

Ele mal teve tempo de erguer seu escudo. O golpe foi parcialmente aparado, mas a arma atravessou o topo do escudo e acertou em cheio seu ombro direito... sangue quente respingou em seus olhos... o seu sangue.

Uma dor lancinante percorreu o corpo do sacerdote. Sua mão não segurou mais o cabo de seu martelo de guerra que caiu retinindo.

Targo desabou. A dor ameaçava tirar-lhe a consciência. Tudo começou a ficar borrado, escuro. Ele apenas conseguiu ver, em meio às névoas da dor, o demônio erguer novamente sua arma, com uma frieza horripilante naqueles malditos olhos dourados.

Estava tudo terminando?

“Mestre Targo, cuidado!!”

O golpe fatal encontrou outro destino. O corpo de Andis, seu querido acólito, se interpôs entre ele e o destino funesto.

“Andis” – foi tudo o que Targo conseguiu gritar...

O jovem sacerdote foi atirado de encontro a Targo pela violência do impacto. Seu tórax estava literalmente destroçado.

O demônio soltou um urro de frustração e ódio e preparou uma nova investida. Targo, com um profundo sentimento de frustração, fúria e dor em seu coração, tentava se erguer a todo custo.

Mas de novo o destino da morte não alcançou o cavaleiro da ordem. O golpe fora aparado pelo sacerdote meio homem, meio elfo. Targo se voltou para Andis, que procurava sua mão...

O jovem acólito, com os olhos injetados de sangue, a boca cerrada, dentes sujos de saliva ensangüentada, fez o cumprimento da ordem e expirou dizendo:

“Por Crisagom...justiça, honra e força”.

Targo nunca fora um homem de expressar seus sentimentos. Já vira tombar em batalha uma centena de vidas. Mas naquele instante seus olhos marejaram.

Ergueu sua visão para o sacerdote meio elfo. Ele chorava!!

***

Voltei-me para o enorme demônio que se preparava para um novo ataque. Meus olhos percorreram o local em busca de um escudo, mas não encontrei nenhum.

O ser infernal projetou seu corpo para frente numa velocidade impressionante enquanto girava seu machado tentando cortar-me ao meio. Recuei dois passos e tentei aparar seu golpe com minha espada. A força que a besta empregou foi tamanha que a arma foi atirada longe de minhas mãos, perdendo-se no meio da multidão que entrava pela rua lateral...

Os primeiros sacerdotes e guerreiros de Filanti irrompiam na praça central, trazendo o caos às hostes inimigas.

Mas não pude desfrutar daquela visão nem mais um segundo que fosse. Encontrava-me desarmado frente a um demônio que nunca confrontara antes. Busquei uma nova arma. Meu olhar caiu sobre um grande martelo de guerra jogado perto do guerreiro ferido.

Aquilo deveria bastar...

Corri até o local , abaixei-me e segurei a arma, erguendo-a. O ferido, que parecia surpreso, pegou em meu pulso e disse-me:

“Por Crisagom...Honra e justiça”.

“Honra e justiça” – respondi-lhe. Uma onda de vigor, renovo, coragem e refrigério me invadiram. Eu me sentia completamente restaurado para o embate. Olhei para o sacerdote ferido, e ele apenas sorriu...

Eu recebera uma ajuda divina... eu tinha certeza disso... Era algo que nunca havia sentido em toda a minha existência.

Peguei o escudo do ferido que pendia inútil ao lado dele e fiquei ali parado, em posição de combate, com o firme desejo de defendê-lo, custasse o que custasse...

O demônio bafejou uma onda de chamas contra mim. Ela perdeu-se no escudo. Ele manejou seu machado de guerra, mas consegui bloquear-lhe o golpe com o martelo. Aquela arma era incrível...

Passei a desferir golpes e mais golpes contra aquela aberração dos infernos, até que um deles penetrou suas defesas e atingiu seu flanco.

Confesso que senti um imenso prazer em ver aquilo urrar de dor...

Seu machado de guerra desapareceu instantaneamente de sua mão. O ser afastou-se, um ódio insano e quase palpável saia de seus olhos dourados. Ele ergueu uma de suas mãos e algo atingiu minha cabeça com a força de um rochedo...

Uma terrível sensação de horror começou a querer invadir-me, minhas mãos tremeram. Um suor frio brotava de minha testa... meu coração disparava, ameaçando explodir... antigos temores, coisas íntimas, guardadas a sete chaves dentro de minha mente começaram a aflorar.

Estava sendo vítima de um sortilégio maligno, mas não conseguia resistir a ele...

Recuei.... Queria fugir dali...

Nisto, senti um toque em meus tornozelos. O ferido recitava uma oração. Um intenso calor percorreu meu corpo. Era algo purificante, que me enchia de coragem, bravura e destemor. O medo desapareceu instantaneamente. Não tive tempo de agradecer...

Avancei, decidido a acabar logo com aquela besta...

Percebendo que seu encanto nefasto não funcionava mais comigo, o demônio fungou, irado e conjurou uma enorme bola chamejante em sua mão, atirando-a contra... o homem caído!!

Horrorizado, joguei-me na direção do projétil flamejante, tentando interceptar-lhe a trajetória. Felizmente, meu impulso foi suficiente para colocar-me à frente do sacerdote e protegê-lo com a maior parte do escudo.

Mas meu dorso e pernas ficaram expostos e foram duramente castigadas pelo calor infernal. Tentei conter um grito de dor... cerrei meus dentes,enquanto sentia minha carne arder. Lágrimas correram de meus olhos, mas, por Crisagom, nenhum murmúrio saiu de meus lábios...

O efeito da bola de fogo do demônio passou. Eu não conseguia mover-me. Meus membros foram parcialmente postos fora de ação. A dor das queimaduras martirizava-me. Mesmo assim tentei colocar-me de pé...

O demônio caminhou em nossa direção.

Nisto, o sacerdote murmurou: "Por Crisagom, isso tem de acabar agora..."

Fechou os olhos e começou a orar fervorosamente...

Consegui me erguer a duras penas. As dores ameaçavam derrubar-me. Minhas pernas teimavam em querer falhar. Brandi meu escudo, enegrecido pela esfera chamejante e segurei firmemente o cabo do martelo. Olhei ao redor... nenhuma ajuda viria. O grupo de sacerdotes no centro da vila se encontrava em número reduzidíssimo e eles lutavam por suas vidas. As tropas de Filanti combatiam os orcos e um grupo de zumbis que saíra de dentro das residências. Os sacerdotes de Crezir e Blator envolveram-se em uma luta suicida com um grupo numeroso de demônios guerreiros.

Éramos só eu, o sacerdote e aquela coisa...

O ser das profundezas fez reaparecer seu machado de guerra e, claudicando devido ao seu ferimento preparou-se para o golpe...

Segurei com mais firmeza o escudo...

Um lampejo de luz cegante... e mais outro... e outro...

O demônio soltou um grito... correntes de pura luz surgiam do chão, dos lados e do alto, prendendo-o. Ele não conseguia mover-se. Seus braços, pernas, tronco, pescoço e cabeça estavam imobilizados pelas cadeias luminosas...

Olhei para o sacerdote. Ele intervira novamente.

"Termine logo com isso, mas não o ataque enquanto estiver preso. Os deuses não o permitem... É um ato de extrema covardia atacar uma criatura indefesa... mesmo um demônio. Lembre-se sempre disso" – ele murmurou, tossindo.

Aproveitei o precioso tempo ganho e roguei a Crisagom pela recuperação de meus ferimentos. A graça divina se manifestou e as queimaduras abrandaram sua dor e minhas pernas ficaram mais firmes.

Ele, então, liberou o demônio que se soltou brusca e atabalhoadamente... Manejei o martelo e o direcionei com toda a minha fúria e energia restantes para o tórax da criatura, que não conseguiu se desviar do golpe caindo morta, alguns passos atrás... seu equipamento virando pó após ser abatida e sendo levado pelo vento que começou a varrer o local da batalha.

Desfaleci, ao lado do sacerdote. Ele perdera muito sangue devido ao seu ferimento e estava em péssimo estado. Roguei novamente pela dádiva de cura, que remediaria seu estado até que pudesse receber maior cuidado. Ele sorriu para mim...

“Muito prazer. Meu nome é Targo. Cavaleiro da Ordem da Justiça”.

"O prazer é todo meu, Targo. Me chamo Kerdal, fiel servo do deus da justiça!" –respondi-lhe – "o que era aquilo que derrotamos?".

"Um maldito demônio guardião" – Disse-me— "Devia ser um dos defensores negros do bruxo bankdi que transformou toda esta pobre vila em seres amaldiçoados... mas ainda daremos cabo dele. A mão de Crisagom o encontrará. A propósito, a arma que usou para derrotá-lo é minha.... e não deveria ter sido utilizada por ninguém mais, exceto eu mesmo”.

Olhei para o martelo de guerra. Como pudera manejá-lo então?

“Somente alguém que tenha adquirido o direito divino de utilizá-lo poderia empunhar esta arma sagrada”. – Respondeu Targo, parecendo adivinhar minha dúvida.

Ele suspirou fundo e como se tivesse algo importante e urgente a me dizer, tocou-me os ombros com sua grande mão...

"Kerdal, preciso falar-lhe. Não sou dado a meias palavras por isso serei conciso... seu lugar não é mais aqui. O seu destino repousa longe de Filanti."

Levei um tremendo susto ao ouvir aquelas palavras... elas me foram ditas em meus sonhos...

Targo continuou: "Eu devo ensiná-lo, educá-lo e dirigi-lo nos preceitos de nossa ordem. Isto é muito importante..."

Então ele me disse aquelas palavras que marcaram minha vida para sempre...

"Eu o levarei a novas paragens e a novos conhecimentos. Eu o guiarei até o seu destino!"

Alguma coisa naquelas palavras, naquele semblante, dizia-me para acreditar e me arrastava para longe de tudo aquilo...

Lágrimas começaram a cair de meus olhos...

"Venha, seu destino o aguarda..."

E eu... eu ergui-lhe minha mão banhada em meu próprio sangue...

***

Dois meses depois... Zanta, capital de Azanti, 1380 D.C.

“Que Palier te conserve a mente a fim de que a sabedoria nunca te falte. Que Cambu abençoe seus negócios a fim de que o dinheiro nunca te falte. Que Blator te proteja do mal mantendo sua espada sempre em prontidão. Que Crisagom te guarde o caminho reto para que nunca recaias na perversão e na iniqüidade. Que Ganis te envolva em suas águas a fim de que elas te sejam sinônimo de vida e não morte. Que Maira te guarde nas florestas e te proteja com seu manto nas adversidades. Que Lena te abençoe o leito para que em sua casa nunca te falte amor ou descendência. Que Sevides abençoe teus campos para que nunca te falte o alimento. Que Crezir destrua teus inimigos a fim de que estes não atentem contra ti. Que Parom te inspires em tuas artes para que o sopro da criatividade nunca te falte. Que Plandis te guarde das paixões para que as coisas do mundo não te percam. Que Selimom te estenda a sua paz para que sua existência seja abençoada. E que Cruine te receba em seu seio para que gozes dignamente do merecido descanso”.

Com estas palavras, o sacerdote supremo da Ordem dos cavaleiros da justiça encerrou seu pronunciamento em nossa sagração.

Enquanto o sacerdote recitava as últimas palavras da benção final, minha mente divagou até aquele dia na vila de Fétor...

A batalha não havia demorado muito para terminar. Os orcos foram afugentados, enquanto os demônios guerreiros, desprovidos da liderança do demônio guardião, desapareceram em direção das montanhas da cordilheira de Keiss. Os poucos desmortos restantes foram aniquilados rapidamente.

Eu e Targo recebemos cuidados médicos dos sacerdotes de Selimom que chegaram rapidamente ao local. A unidade de Targo sofrera baixas pesadíssimas e até mesmo os sacerdotes de Crezir e Blator elogiaram sua coragem em batalha. Vindo deles poder-se-ia considerar isto um elogio!

Assim que nos recuperamos de nossos ferimentos, Targo e eu viajamos até Zanta, capital do país vizinho de Filanti, Azanti, onde fui apresentado aos membros da Ordem sacerdotal de Crisagom.

Eu e Targo havíamos nos tornado grandes amigos e muitas conversas tivemos em nossa viagem até a capital azanti.

Por insistência dele, os sacerdotes superiores haviam-me concedido a honra de tê-lo como tutor. Ele me prometeu que eu seria o melhor de seus acólitos...

O sacerdote supremo acabou de proferir a benção final...

"Ergam-se cavaleiros da Justiça... Ergam-se paladinos de Crisagom!"

O salão central explodiu em inúmeras palmas e vivas. Eu e meus confrades nos erguemos diante dos convivas. Para mim, eu me erguia para uma nova vida, um novo recomeço, uma nova chance de triunfar sobre o mal que jurara destruir...

Pois como ouvira uma certa vez, há muitos anos atrás, ao redor de uma fogueira em Abadom...

"Esperança, tem de haver uma esperança. A justiça sempre triunfará no fim de tudo!".


Verbetes que fazem referência

Livro das Ordens Sacerdotais

Verbetes relacionados

Ordem de Blator | Ordem de Cambu | Ordem de Crezir | Ordem de Crisagom | Ordem de Cruine | Ordem de Ganis | Ordem de Lena | Ordem de Maira | Ordem de Palier | Ordem de Parom | Ordem de Plandes | Ordem de Selimom | Ordem de Sevides, Liris E Quiris | Introdução | Prólogo | Epílogo | Créditos
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