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Relatos de um Sacerdote

Relatos de um sacerdote de Palier sobre as origens do mundo


Autor: Alesso Sartorelli


A Nilos Azember, mestre de letras da grande biblioteca de Saravossa de Runa, vigésimo primeiro dia do mês do sangue do milésimo quingentésimo ano depois do Cataclismo.

Caro Nilos, O texto que tem em mãos acompanhando essa carta é cópia feita por mim de parte de um material encontrado em ruínas recentemente escavadas na cidade de Runa, Portis. É datado de 1.187 D.C., um período que antecede a invasão dos bankdis e é posterior à independência da cidade do domínio dos moldas. Seu autor parece ter sido um longevo sacerdote de Palier que se aventurou por Tagmar atrás de conhecimento e retirou-se para um monastério nessa região em sua velhice. Acreditamos que seu nome seja Suole Arristin Eldagar. Certamente não imaginava que sua grande aventura ainda estava por começar. Possivelmente esse monastério foi destruído e soterrado durante os anos escuros da guerra da Seita. Há escombros de uma sala que parece ter sido a biblioteca do local e, nesses escombros encontramos manuscritos deveras interessantes sobre a vida em nossa cidade naquela época. O que mais me chamou atenção nessa amostra que te envio é a familiaridade com que o autor se refere a fatos de tempos imemoriais, do tempo das névoas. Gostaria que o apresentasse a seus historiadores e que estes o confrontassem com o conhecimento contido em vossa exuberante biblioteca. Estou certo que o próprio sábio Martom Amaatri terá enorme interesse no que está contido nessas linhas.

Estou trabalhando em outras cópias desse e de outros trechos importantes da obra e pretendo te enviá-las o quanto antes.

Saudações luminosas meu amigo, e que o bondoso e benevolente Palier permita que nos encontremos novamente em um futuro breve, seja em sua grandiosa biblioteca, em nossa reluzente Runa ou em outro lugar que cumpra Seus mais sábios desígnios.

Alecersar Sotesli Sacerdote de Palier,

pesquisador e professor de história arcana

da escola de magia da magocracia de Portis.

***


Cópia manuscrita fidedigna do original, escavado em ruínas de Runa. 1500 D.C. – primeira parte.

A.S.

“Agora que o ocaso do meu tempo se aproxima, que as energias do corpo me faltam, que meus companheiros de monastério não ouvem mais o que tenho a dizer. Só agora que pareço não ter mais utilidade nenhuma à minha ordem, Nosso Magnânimo Senhor, o mais iluminado, guardião e protetor de todo o conhecimento, me concede a honra de compreender muitos mistérios do nosso universo.

Ocorre que os outros monges e sacerdotes, todos novos e inexperientes em demasia, incluindo nosso superior, não alcançam as visões a que tenho almejado. Portanto menosprezam minhas revelações. Nos últimos meses, quando o dia está confortável, com o sol começando a baixar no céu, quando as dores do frio não me atingem, consigo reunir energias e, mediante antigas orações ritualísticas alcanço o privilégio de me encontrar com uma criatura de pura luz e energia. Ele surge do nada, não entra pela porta ou pelas seteiras de meus gélidos aposentos, apenas surge. Não consigo ver sua face, pois sua luminosidade não o permite, mas sei que é um rosto sereno, de conhecimento e revelação, de sabedoria e conforto. Ele não anda, mas sempre está ao alcance dos meus olhos, não fala mas, sempre responde claramente minhas perguntas. Chamo-o de Enviado de Palier, pois pelo pouco contato que tive com esses seres transcendentes é o que me parece que este seja.

Ele conhece todas as minhas angústias e os esforços que fiz vagando por Tagmar coletando o máximo de informações a respeito das origens do nosso mundo. Visitei o máximo de bibliotecas e coleções de textos e papiros antigos, procurei sábios e os mais renomados líderes de nossa ordem, busquei contato com os arredios elfos das florestas e os orgulhosos elfos dourados. Muito aprendi, especialmente sobre os anos de nossa era. Algumas coisas consegui coletar, que dizem respeito ao segundo ciclo, tempos de enormes poderes de homens, elfos e anões. Mas muito pouco se sabe, ou se pode saber a respeito dos tempos antes daquele, sobre o chamado primeiro ciclo, a origem do nosso mundo, o tempo do surgimento dos deuses, demônios, dragões, magia e todas as forças fundamentais que até hoje regem o nosso universo.

Esse enviado, sabendo de minha angústia doentia pelo conhecimento e aparentemente movido pela compaixão de Palier com meu sofrimento, me fornece visões e informações daquele tempo, à medida que consigo suportar. Passo com ele algumas horas e, quando ele se vai sinto-me fisicamente esgotado e incapacitado até mesmo de me alimentar por horas ou até dias. Não sei quanto tempo de vida ainda terei para encontrá-lo, nem mesmo até quando terei forças para fazê-lo. Sinto cada vez mais dificuldades para as atividades banais da rotina, quanto mais para recebê-lo. E muito me angustia a possibilidade de deixar a existência sem transmitir adequadamente as grandiosas revelações que tenho recebido como privilégio.

Por isso, mesmo que meus atuais confrades ignorem essas informações, me tomem como um velho caduco cheio de visões demenciais, pretendo deixar essas páginas escritas na esperança que gerações futuras de indivíduos mais sábios do que nós possamos levar esse esforço adiante e voltar no tempo atrás das origens do nosso mundo.

A primeira narrativa que esse enviado, a quem agora chamo carinhosamente de Fósfilo (ou o amigo da luz), me fez foi a respeito da chegada dos deuses ao mundo. Num universo preenchido por energia, pensamentos, caos, anarquia e imaterialidade, o equilíbrio estava sendo rompido pelo peso com que a escuridão estava se manifestando. Só posso imaginar que a escuridão se referia às influências de Morrigalti, à constituição do reino inferior após o rompimento da primeira pérola da existência e às pressões que este fazia tentando conquistar o reino superior, onde os titãs continuavam a dominar e, apesar do surgimento da consciência, o caos reinava absoluto.

Morrigalti, ou o primeiro mal, o mal primordial, maldade absoluta, é o nome dado ao ser criador do reino inferior. Sua distinção dos titãs primordiais deve-se ao fato de sua sede absoluta por destruição e corrupção, um foco, coisa que os outros titãs não conheceram. Além disso, foi o primeiro ser da existência que tomou ciência da individualidade e se isolou. Não se sabe ao certo se trata-se de um ser, uma única entidade, ou de um grupo de consciências. Alguns que acreditam nessa última hipótese chamam-nos de Primeiros Demônios. Mesmo Fósfilo pouco me diz a respeito de Morrigalti, e quando se refere a ele o faz com ares de apreensão e reverência receosa.

Os Deuses surgiram; e Palier, o sapiente e iluminado foi o primeiro e observou o surgimento de seus irmãos; a partir dos titãs primordiais. Incapacitados por seu comportamento anárquico e inconsequente, os titãs não conseguiam conter o constante aumento do poder de Morrigalti. O Reino inferior se expandia e ameaçava tomar toda a pérola da existência, transformando absolutamente tudo em energia negra, dor incomensurável e sofrimento. Num ato de auto preservação os titãs primordiais criaram seres com capacidade de concentrar poderes com propósitos definidos, de criar organização a partir do caos, de montar planos e segui-los. Essas características fundamentais da vida inteligente como a conhecemos hoje foi transmitida pelos deuses às suas criaturas (homens, elfos, anões...), pois fizeram parte da essência natural dos seres divinos. Nossa habilidade de planejar, criar e construir tem origem nos mais remotos eventos do universo, na criação dos deuses.

Então surgiram os deuses, não todos os que conhecemos hoje, mas os primogênitos: Palier, Sevides, Ganis, Blator, Maira e Selimom. Criados com a missão de trazer organização à existência e ordem ao caos, os jovens seres divinos de imediato depararam-se com o absoluto oposto de seus objetivos: desorganização, confusão, anarquia, emaranhados. Era tudo o que conseguiam vislumbrar na aurora de suas existências. Os titãs, por natureza, não poderiam lhes dar as orientações de que necessitavam. Perdidos e sem orientação nenhuma por parte de seus criadores os deuses acabaram deparando-se com Morrigalti. Este, ao encontrar tais figuras com enorme poder, amedrontou-se e viu seus planos de conquista ameaçados. Usando estratégias ardilosas de sedução e enganação Morrigalti percebeu o desconforto e a ânsia dos jovens divinos para lidar com o caos absoluto. Convenceu-os de que eram aliados e de que sua primeira tarefa seria liberar a pérola da existência do caos. Os titãs tinham que ser destruídos, somente assim poderiam os deuses dar forma às perfeitas criações que almejavam. Assim deu-se o início da primeira guerra sobre a qual versam nossas lendas e histórias. Uma batalha de extensões e poderes incalculáveis, num universo de energias e emoções, onde tudo fluía de maneira diferente. Não temos condições de imaginar como se dava a passagem do tempo naquela época, nem como se comportavam a luz e a escuridão. Nem nada. Qualquer coisa que possamos imaginar não se aproxima do que deve ter sido.

Quando perguntei a Fósfilo sobre a batalha, o que recebi foram imagens de enormes esferas de poder puro entrando em conflito, chocando-se com velocidades incalculáveis, às vezes muito rápidas às vezes sem se mover. Explodiam em diversas cores intensas e radiantes e voltavam a se unir para logo em seguida ou logo antes, não consigo distinguir, chocarem-se de novo, com um resultado diferente do outro. As esferas eram de todos os tamanhos, eram minúsculas e gigantes praticamente ao mesmo tempo, e vagavam no interior de outra esfera que pulsava com a energia de todo o universo.

A visão dessa batalha consumiu demasiadamente minhas forças, tanto que caí em inconsciência e fui encontrado por meus serviçais, desacordado, após as horas da ceia. Lembro-me de ter retomado a consciência apenas na manhã seguinte. Sob os olhos apreensivos de meus colegas do monastério não passo de um velho com estupores e apoplexias, pronto para partir dessa existência a qualquer momento mas, teimosamente me agarrando ao fio da vida. E nesse tempo dou-lhes o trabalho de terem que cuidar de mim, me alimentar e preocuparem-se a cada dia por não saber se será nesse dia ou não que poderão finalmente livrar-se do meu peso ao retirar pela última vez meu corpo de meus aposentos.

Rogo a Palier, rei dos Sábios, Tocha da alma dos elfos e homens, que me permita terminar meu relato sobre os encontros com Fósfilo. Que essas linhas possam ser apreciadas no futuro a Seu serviço. Estou certo que Ele tem um plano para isso. Só posso crer nisso e continuar com minhas dores e a indiferença de meus confrades.

Agora meus dedos doem, minha vista não mais permite que eu trabalhe com conforto à luz das velas e em breve um dos assistentes deve me levar ao salão para o jantar com os irmãos. Assim que as condições me forem novamente favoráveis escreverei sobre as consequências da guerra suprema e sobre a primeira traição de Morrigalti”


S. A. E.

Monastério da Luz, Sabedoria e Conhecimento da cidade-estado de Runa

13º. dia do mês da sabedoria do milésimo centésimo octogésimo sétimo ano pós-cataclisma.




Verbetes que fazem referência

Crônicas de Tagmar Volume 3

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